A proposta do governo federal de tributar instrumentos de crédito como Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e do Imobiliário (LCI) reacendeu o debate sobre os impactos da Medida Provisória 1.303, que prevê o fim das isenções de Imposto de Renda para títulos privados usados no financiamento de setores estratégicos da economia. O relator da MP, deputado Carlos Zarattini, negocia no Congresso uma alternativa que mantenha parte das isenções, especialmente para fundos ligados ao agronegócio e ao setor imobiliário, ao mesmo tempo em que transfere a tributação para outros papéis.
A mudança ocorre em meio à busca do governo por maior arrecadação para reduzir o déficit público, após a resistência do congresso em elevar o IOF. Para especialistas, no entanto, a medida pode gerar efeitos colaterais expressivos.
Impacto no Financiamento Privado e Custos de Captação
Segundo a advogada Alessandra Brandão, sócia da área tributária do Marcelo Tostes Advogados (MTA), esses instrumentos de crédito têm sido fundamentais para garantir o financiamento privado de projetos de infraestrutura, como saneamento, transporte, energia e telecomunicações, além de setores como habitação e agro. “A isenção de imposto de renda funcionava como atrativo para que pessoas físicas e jurídicas investissem nesses títulos, possibilitando a execução de projetos essenciais sem depender de aportes diretos do governo”, explica.
A advogada alerta que a tributação pode elevar em até 4% o custo de captação das empresas emissoras. Além disso, ela destaca: “Isso significa que concessionárias de pedágios, companhias de saneamento e distribuidoras de energia, por exemplo, terão mais despesas financeiras e podem repassar esse aumento diretamente às tarifas cobradas da população”.
Pressão na Dívida Pública e Setor Imobiliário
O impacto, no entanto, não se limita às tarifas. Para Alessandra, a medida também pressiona o setor público, já que, com a perda de atratividade dos papéis privados, o governo terá de recorrer a bancos públicos para financiar projetos. “Esse movimento aumenta a dívida e reforça o déficit fiscal, criando um efeito contrário ao que se busca com o corte de benefícios tributários”, avalia.
O setor imobiliário é outro que pode sentir os efeitos da mudança. “Hoje, muitas construtoras dependem dos fundos de investimento imobiliário para viabilizar empreendimentos, já que o crédito habitacional tradicional está caro. Se esses fundos se tornarem menos competitivos por conta da tributação, a atividade da construção civil pode sofrer retração, impactando diretamente emprego e renda”, observa a tributarista.
Efeitos na Taxa de Juros e Regulação
A especialista também lembra que a disputa entre títulos públicos e privados influencia a taxa de juros. “Com a perda de competitividade dos ativos privados, o governo precisa elevar os juros para conseguir vender seus papéis e rolar a dívida. Isso trava o consumo e os investimentos, reduzindo o crescimento econômico”, diz.
Paralelamente à discussão sobre a tributação, há ainda o debate regulatório. O Conselho Monetário Nacional (CMN) estuda endurecer as regras para garantir que os recursos dos fundos cheguem ao público-alvo previsto. “Hoje, qualquer investidor pode comprar esses papéis, e há questionamentos sobre quem de fato está se beneficiando das isenções. Uma regulação mais rígida pode mitigar parte dos impactos negativos”, ressalta Alessandra.
Necessidade de Equilíbrio
Para ela, o desafio do Congresso será encontrar um equilíbrio entre a necessidade de ajuste fiscal do governo e a manutenção de instrumentos que viabilizam investimentos privados em áreas essenciais. “Uma mudança brusca pode desorganizar setores inteiros e gerar efeitos em cascata na economia e no bolso da população”, conclui.
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