Setembro é um mês importante para o Sistema Único de Saúde (SUS), marcando seu aniversário. Criado pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei 8.080, o SUS representa a maior política pública de saúde do mundo, fundamentada nos princípios de universalidade, integralidade e equidade. Este momento nos convida a refletir sobre o potencial da inovação para fortalecer este sistema, especialmente na área da saúde mental, que enfrenta desafios estruturais significativos.
A Inteligência Artificial como Aliada no Diagnóstico
A recente notícia sobre o desenvolvimento de uma plataforma de inteligência artificial (IA) para diagnosticar transtornos mentais na atenção primária representa um avanço importante para o SUS. Essa plataforma, fruto de uma colaboração entre o Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental, a Faculdade de Medicina da USP, a FAPESP e o Instituto Eldorado, conta com o apoio do Ministério da Saúde e integra a iniciativa e-Saúde mental. O objetivo é ampliar o alcance e a resolutividade do cuidado em saúde mental, utilizando a IA como ferramenta complementar à prática clínica.
O aplicativo em desenvolvimento oferece funcionalidades que vão além da triagem inicial. Ele permite o check-in digital, avalia sintomas, identifica riscos, oferece psicoeducação e técnicas de autorregulação emocional, além de direcionamento clínico e integração ao prontuário do paciente. Com isso, o diagnóstico se torna mais rápido, o tempo entre a percepção do sofrimento e o início do tratamento é encurtado, e o acompanhamento se torna mais contínuo. Para o SUS, que enfrenta sobrecarga e desigualdades regionais, essa ferramenta é estratégica para ampliar o acesso e reduzir o estigma associado aos transtornos mentais.
Benefícios da IA para a Gestão Pública
Do ponto de vista da gestão pública, os benefícios da inteligência artificial também são notáveis. Afinal, o uso de dados gerados pela plataforma pode auxiliar na identificação de padrões regionais de adoecimento e orientar políticas de prevenção, fortalecendo a equidade no acesso. Ao integrar essa inovação à agenda digital do SUS — que já conta com iniciativas como o Conecte SUS e a Rede Nacional de Dados em Saúde —, o Brasil avança em direção a uma gestão baseada em evidências, o que é fundamental para garantir a qualidade e a eficiência no uso dos recursos públicos.
Além disso, a inovação tecnológica deve sempre estar a serviço do cuidado humanizado. Ao oferecer psicoeducação e técnicas de autocuidado, a plataforma não se limita ao diagnóstico, mas promove conhecimento, empodera o paciente e contribui para combater preconceitos e desinformação sobre saúde mental. Essa é uma forma de aproximar ciência e cidadania, reforçando que a tecnologia pode ser um instrumento de acolhimento. No entanto, é essencial lembrar que a inteligência artificial não substitui a consulta presencial com profissionais de saúde.
Embora represente uma oportunidade relevante para pessoas que não têm fácil acesso à assistência, seu uso deve ser acompanhado de cautela. A avaliação remota pode apoiar o paciente, mas não elimina a necessidade de um olhar clínico individualizado, da escuta atenta e do vínculo terapêutico que só o encontro humano pode proporcionar.
Os Riscos e a Necessidade de Cautela
É claro que esse avanço exige cautela. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertou para os riscos do uso da inteligência artificial na saúde sem supervisão adequada, como erros de diagnóstico, vieses nos dados, problemas de privacidade e desinformação. A IA não substitui a escuta atenta nem o olhar clínico do profissional de saúde, devendo ser compreendida como aliada, nunca como substituta, preservando sempre o protagonismo humano no processo de cuidado.
Fortalecendo a Rede de Atenção Psicossocial
O SUS já possui uma rede estruturada de atenção psicossocial, com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e a atuação integrada da atenção primária. A introdução da IA não substitui essa rede, mas a fortalece, tornando-a mais ágil e eficiente na triagem e no acompanhamento dos casos. Nesse sentido, é uma inovação que se soma ao que o sistema tem de melhor: a proximidade com as comunidades e a integralidade do cuidado.
Celebrar a criação do SUS é, portanto, celebrar também a capacidade de se reinventar diante dos desafios contemporâneos. A tecnologia, quando guiada pela ética, pela ciência e pelo compromisso com a dignidade humana, pode ser um poderoso instrumento de fortalecimento da saúde pública. A inteligência artificial na atenção primária em saúde mental simboliza exatamente isso: a renovação de um pacto coletivo que coloca o paciente no centro, sem abrir mão da humanização.
O SUS é prova viva de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Cabe a nós, profissionais, gestores e sociedade, garantir que esse direito seja cada vez mais pleno, inclusivo e moderno. Celebrar o SUS é acreditar em seu futuro — e esse futuro passa pela tecnologia a serviço da vida.
Sobre o Dr. José Branco:
É fundador e faz parte da direção executiva do IBSP – Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, Diretor Técnico do INDSH – Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano e Diretor Médico da CloudSaúde.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.