Uma decisão recente do Tribunal de Turim, na Itália, trouxe novas esperanças para milhões de brasileiros descendentes de italianos. A corte questionou a constitucionalidade da lei que restringiu o direito à cidadania, aprovada em 2025. Essa legislação limitava o reconhecimento da cidadania apenas a filhos e netos de italianos nascidos na Itália, excluindo bisnetos e gerações posteriores.
Entenda a Decisão do Tribunal de Turim
Em um julgamento realizado em junho, o juiz Fabrizio Alessandria não só reconheceu o direito de um bisneto à cidadania italiana, mesmo após a entrada em vigor das novas regras, como também enviou o caso para a Corte Constitucional italiana. Essa ação representa o primeiro posicionamento do Judiciário italiano sobre processos protocolados após a vigência do Decreto-Lei nº 36/2025, que se tornou a Lei nº 74/2025.
O ponto central da decisão reside na interpretação de que a nova regra fere o artigo 1º do Código Civil Italiano, que proíbe a retroatividade das leis. O magistrado argumentou que a lei questionada representa “uma revogação implícita e retroativa da cidadania italiana, sem qualquer base constitucional legítima”, o que, segundo ele, fere os princípios da igualdade, da confiança legítima e da segurança jurídica.
Esta decisão marca um divisor de águas no cenário jurídico da cidadania italiana. O Tribunal de Turim reconheceu que o direito à cidadania por descendência é originário e não pode ser simplesmente revogado por uma lei posterior, especialmente quando afeta direitos já consolidados ao longo de mais de um século.
— Vinicius Gama, sócio-fundador da Pátria Cidadania
O Princípio do Iure Sanguinis
A argumentação do juiz Alessandria ressalta que a cidadania iure sanguinis sempre foi reconhecida como um direito originário do descendente de italiano, e não como um benefício sujeito a prazos administrativos. Gama complementa: “Estamos falando de um princípio fundamental do direito italiano que existe desde 1912 e que não pode ser alterado de forma arbitrária”.
Impacto da Cidadania Italiana no Brasil
Os dados mais recentes ilustram a relevância desse tema. Uma pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Oficiais de Estado Civil e Registro (Anusca) da Itália revelou que, em 2023, foram reconhecidas ao menos 61,3 mil cidadanias por direito de sangue a descendentes de italianos. Os brasileiros representaram 68,5% dos casos, ou seja, quase sete em cada dez reconhecimentos.
Em 2024, esse número cresceu ainda mais, com 68.841 brasileiros obtendo a cidadania italiana, de um total de 113.221 cidadanias concedidas a descendentes no exterior. O Consulado-Geral da Itália em São Paulo registrou um aumento de 11% no número de inscritos no AIRE (registro de italianos no exterior), totalizando quase 383 mil cidadãos em 2024.
Além disso, vale ressaltar que o Brasil abriga uma das maiores comunidades de descendentes de italianos fora da Itália, com estimativas que apontam para cerca de 30 milhões de pessoas com direito potencial à cidadania. Vinicius Gama, da Pátria Cidadania, destaca que a decisão do Tribunal de Turim representa uma luz no fim do túnel para essas famílias.
Outras Ações e Próximos Passos
A decisão de Turim não é um caso isolado. Outras arguições de inconstitucionalidade já foram submetidas à Corte Constitucional por tribunais de Bolonha, Roma, Florença e Milão, embora com perspectivas diferentes sobre o tema. A audiência histórica realizada em 24 de junho de 2025 na Corte Constitucional em Roma foi considerada a mais concorrida da história do tribunal, com a presença de milhares de ítalo-descendentes.
A expectativa é que a decisão do Tribunal de Turim crie jurisprudência favorável para casos similares em toda a Itália. Tribunais como o de Veneza, que registrou um crescimento de 124% nos processos de cidadania e tem audiências marcadas até 2028, aguardam o posicionamento da Corte Constitucional para definir como proceder com milhares de ações pendentes.
Ademais, a decisão também pode influenciar a tramitação de recursos já em andamento. Em julho de 2025, a Corte Constitucional publicou a sentença nº 142/2025, que reafirmou a validade da cidadania italiana por descendência para processos anteriores ao decreto, estabelecendo que “o status civitatis fundado no vínculo de filiação tem caráter permanente e é imprescritível”.
Mobilização da Comunidade Ítalo-Descendente
Diante desse cenário de incerteza jurídica, associações de ítalo-descendentes no Brasil e na Argentina têm se mobilizado para acompanhar os desdobramentos do caso. Grupos nas redes sociais somam centenas de milhares de membros que compartilham informações, documentos e estratégias jurídicas.
Estamos vivendo um momento crucial para a comunidade ítalo-brasileira. A decisão de Turim nos dá esperança de que nossos direitos históricos sejam preservados. Não é apenas sobre um passaporte, é sobre identidade, pertencimento e o reconhecimento de laços familiares que atravessam gerações.
— Vinicius Gama, Pátria Cidadania
A Corte Constitucional italiana deve analisar o caso entre o final de 2025 e o início de 2026. Três cenários são possíveis: a declaração de inconstitucionalidade total da nova lei, mantendo o direito irrestrito à cidadania por descendência; a inconstitucionalidade parcial, preservando alguns aspectos da restrição; ou a validação integral da lei, confirmando as limitações impostas.
Enquanto isso, advogados especializados recomendam que descendentes interessados não desistam de seus processos. A decisão de Turim mostra que o Judiciário italiano está sensível aos argumentos constitucionais e pode oferecer proteção aos direitos dos descendentes.
Para aqueles que já haviam iniciado seus processos antes de 27 de março de 2025, a situação permanece protegida pelas regras anteriores, conforme confirmado pela própria Corte Constitucional. É fundamental que essas pessoas continuem com seus processos normalmente, pois seus direitos estão garantidos.
O Contexto da Disputa
A batalha jurídica em torno da cidadania italiana reflete tensões mais amplas sobre identidade, migração e pertencimento no mundo globalizado. De um lado, o governo italiano, argumenta a necessidade de controlar o que chama de “turismo de passaportes”. De outro, milhões de descendentes defendem o reconhecimento de vínculos históricos e culturais legítimos.
O que a decisão do Tribunal de Turim demonstra é que o direito não pode ignorar a história. Durante mais de um século, a Itália reconheceu seus filhos espalhados pelo mundo. Não é justo nem constitucional cortar esses laços de forma abrupta.
— Vinicius Gama, Pátria Cidadania
Gama vê na decisão judicial um marco importante na defesa dos direitos dos ítalo-descendentes.
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