Embora seja indispensável em tratamentos de deformidades complexas da face e do crânio, o cirurgião crânio-maxilo-facial segue sendo um nome desconhecido para grande parte da população brasileira e, em muitos casos, até mesmo dentro da comunidade médica. O desconhecimento sobre o papel desse especialista compromete o acesso dos pacientes a diagnósticos precoces, tratamentos corretos e reabilitação funcional. Uma pesquisa da Revista Brasileira de Cirurgia Plástica indicou que mais de 70% dos estudantes de medicina não sabem, com clareza, quais condições são de competência da cirurgia plástica reconstrutora e, em especial, da área de atuação em cirurgia crânio-maxilo-facial.
Afinal, o que faz um cirurgião crânio-maxilo-facial?
O cirurgião crânio-maxilo-facial é, antes de tudo, um médico altamente especializado. Para atuar nessa área, é necessário realizar uma residência médica em cirurgia plástica, cirurgia de cabeça e pescoço ou otorrinolaringologia. Além disso, pode-se buscar uma especialização mais avançada, geralmente fora do país. A área envolve a reconstrução de estruturas cranianas e faciais que vão muito além da estética, lidando em alguns casos com funções vitais como respiração, mastigação, visão e até mesmo o desenvolvimento neurológico infantil. Apesar disso, esses profissionais ainda são pouco acionados para condições que, muitas vezes, poderiam ser tratadas de forma mais ampla e completa por esses especialistas.
Falta de visibilidade e seus impactos
Segundo a Dra. Clarice Abreu, cirurgiã plástica e craniomaxilofacial com formação no Brasil e em centros internacionais na Europa e nos Estados Unidos, o desconhecimento começa dentro da própria estrutura médica.
Somos poucos. A cirurgia craniomaxilofacial é uma área de atuação altamente especializada, mas com baixa adesão e visibilidade. A associação brasileira da especialidade conta com menos de 300 membros ativos, o que é mínimo para o tamanho da população do Brasil. Além disso, há muita confusão entre o cirurgião craniomaxilofacial, que é médico, e o cirurgião bucomaxilofacial, que é dentista. Essa desinformação, somada ao desinteresse por uma formação longa e pouco divulgada, faz com que sejamos pouco reconhecidos em nosso país.
— Dra. Clarice Abreu, cirurgiã plástica e craniomaxilofacial
Essa baixa visibilidade se reflete, por exemplo, na abordagem inicial a crianças com malformações craniofaciais. Em muitos hospitais brasileiros, o primeiro encaminhamento é feito para outras especialidades, o que pode retardar intervenções que exigem a presença do craniomaxilofacial desde o início do diagnóstico. O problema está na raiz do sistema: faltam campanhas educativas, protocolos interdisciplinares atualizados e, principalmente, reconhecimento formal da importância desse especialista em contextos que exigem precisão anatômica e compreensão tridimensional da face e do crânio.
Na prática, quem precisa desse cuidado fica à mercê da sorte de encontrar um centro com equipe treinada ou um especialista que atue também no SUS. Mas isso não deveria depender do acaso.
— Dra. Clarice Abreu, cirurgiã plástica e craniomaxilofacial
A médica, hoje, integra as equipes do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e do Hospital Municipal Nossa Senhora do Loreto, no Rio de Janeiro, além de coordenar um centro de malformações no setor privado. Clarice também participou das raríssimas cirurgias de separação de gêmeos craniópagos realizadas no país e no Oriente Médio.
Medidas para reverter o quadro
Para reverter esse quadro, algumas medidas institucionais podem ser tomadas, como o fortalecimento das associações de classe, a ampliação das residências na área e, principalmente, políticas públicas que integrem o cirurgião craniomaxilofacial às linhas de cuidado em hospitais de referência.
Trata-se de devolver ao paciente a chance de uma vida com funcionalidade plena, não apenas de uma face simétrica.
— Dra. Clarice Abreu, cirurgiã plástica e craniomaxilofacial
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