O que faz uma inteligência artificial ter propósito no setor público? Para Patrícia Baldez, da Enap, inovação só conta quando melhora serviços, gera impacto e respeita valores públicos como ética e soberania. Na Semana de IA do Serpro, ela apresentou o LIIA, um laboratório que nasceu para colocar essa ideia em prática.
Criatividade e impacto: o coração da inovação
“O coração da inovação é a criatividade mais impacto”. Com essa frase simples e direta, Patrícia Baldez, coordenadora-geral do Laboratório de Inovação em Inteligência Artificial (LIIA) da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) arremata sua tese de que, no setor público, tecnologia só é inovação quando melhora, de verdade, a vida das pessoas.
Em meio à euforia global com a inteligência artificial, Patrícia propõe uma pausa: em vez de correr atrás do hype, é hora de pensar com calma e senso crítico. Ela explica que o maior risco nos projetos de IA é começar pela tecnologia antes de compreender o problema. “Quando o problema é mal definido, a IA não entrega valor”, afirma.
Patrícia conta que muitas instituições chegam ao laboratório pedindo “uma IA” sem saber exatamente para quê, que realidade querem mudar ou qual resultado pretendem alcançar. Essa pressa em aplicar soluções tecnológicas leva a desperdício de recursos, pois, segundo ela, como mostram pesquisas do setor privado, cerca de 90% dos projetos de IA acabam não gerando valor real.
“E o Estado não pode correr esse mesmo risco, né? Com dados nacionais, dados dos nossos cidadãos, um orçamento enxuto e a necessidade de entregar serviços melhores, a gente não pode correr esse risco”, alerta a coordenadora.
A importância da inteligência na inovação
É aí que entra o LIIA, cujo papel é intervir nesse ponto crítico, ajudando os órgãos públicos a definirem com precisão o problema, dialogar com o usuário, compreender o contexto e só então desenhar soluções, nem que seja preciso voltar várias vezes à origem da questão. Segundo ela, esse processo de escuta e enquadramento garante que cada projeto de IA tenha aderência, utilidade e impacto real. “Antes de escrever qualquer linha de código, antes de começar a pensar em qualquer tipo de solução, antes de definir qual tipo de inteligência artificial ou se será preciso mesmo a IA, a gente vai lá na compreensão, reduz desperdício, aumenta a efetividade”, pontua.
O LIIA não é um time de desenvolvimento e nem quer ser. Funciona como um hub de inovação que conecta setor público, academia, sociedade e empresas para desenhar soluções a partir da experiência do usuário e do design thinking. “Se estamos lidando com um orçamento do tamanho do orçamento nacional, a gente precisa ter um espaço para errar rápido, errar pequeno e melhorar o trabalho antes de entrar numa escala de governo. Se vamos fazer soluções para o Estado brasileiro, não dá para começar sem entender as possibilidades de falha e sem ter um lugar seguro para falhar: esse é o lugar da inovação”, analisa Patrícia, fazendo referência à estrutura que coordena e que recentemente completou um ano de existênncia.
Tecnologia com responsabilidade e ética
Se o método é grande parte da solução, a outra parte é a ética aplicada. Patrícia ancora o trabalho do LIIA num conjunto de princípios adaptado do framework da Unesco: uso responsável, justiça social e soberania digital. O que isso muda na prática? Primeiro, explicitar vieses e lacunas de dados desde o desenho. Depois, comunicar com transparência, pois o cidadão tem o direito de saber quando um serviço público usa IA. Por fim, dar preferência a soluções críticas desenvolvidas com provedores nacionais sempre que isso fizer sentido, porque “a gente quer desenvolver dentro de empresas nacionais, como o Serpro, os modelos mais relevantes, mais transversais, mais importantes para que o Estado tenha autonomia de gestão desses modelos”.
Resultados e próximos passos
Patrícia afirma que no primeiro ano do LIIA, a abordagem rendeu frutos concretos. O laboratório encarou dez desafios (oito ambientais, alinhados à preparação da COP); promoveu hackathons e datathons, que cruzaram esforços de fiscalização de órgãos como Ibama e Polícia Federal; realizou a curadoria de trilhas de capacitação para três públicos (altas lideranças, gestores de TIC e usuários/servidores); e organizou encontros para desmistificar a IA no setor público.
O que vem agora? Segundo a coordenadora, uma chamada pública com a Caixa para levar soluções a estados e municípios; um Banco de Soluções para reaplicação do que funciona (evitando retrabalho); e a difusão da metodologia de gestão de projetos, porque, como ela diz, o conhecimento “não é nosso, ele é do governo federal” e precisa circular rápido.
Por fim, a coordenadora-geral do LIIA convida a todos a conhecer recém lançado site do laboratório, onde o cidadão e o agente público podem conhecer mais do trabalho realizado nesse primeiro ano de atividade do espaço. Acesse: www.enap.gov.br/inovacao/liia
Semana de IA do Serpro
Confira a íntegra da apresentação de Patrícia Baldez durante a Semana de IA do Serpro. Para assistir essa e todas as outras atividades da programação, acesse o canal da empresa no Youtube. O evento foi realizado entre os dias 13 e 17 de outubro, na sede do Serpro, em Brasília, cumprindo o objetivo de promover a discussão e o compartilhamento de experiências com palestras de especialistas de governo, empresas de TI e profissionais de mercado, além de workshops para apresentar cases reais, direcionamentos estratégicos e tendências globais na área.






