O mercado de delivery no Brasil, que movimenta cerca de R$ 14 bilhões, tem se mostrado um campo de batalha acirrado entre empresas nacionais e estrangeiras. Um exemplo notório é a disputa entre a 99, braço brasileiro da DiDi Global, e a Keeta, recém-chegada apoiada pela Meituan. Essa competição, que inicialmente focava na conquista de market share, escalou para o âmbito judicial, com alegações de concorrência desleal e violação de propriedade intelectual.
Lições do mercado brasileiro de delivery
Gabriel Di Blasi e Paulo Armando Innocente de Souza, especialistas do Di Blasi, Parente & Associados, analisam as lições que essa disputa traz para empresas que buscam crescer ou entrar no mercado brasileiro. O Brasil se destaca como um dos mercados de entrega de alimentos mais competitivos do mundo, onde empresas com investimentos estrangeiros disputam tanto clientes quanto a validação legal de suas operações.
O caso entre 99 e Keeta serve como um alerta para empresas estrangeiras, destacando a importância da propriedade intelectual, do direito da concorrência e da percepção do consumidor para o sucesso (ou fracasso) no país. Estima-se que empresas do setor invistam R$ 14 bilhões no Brasil nos próximos anos, intensificando a competição para desafiar a hegemonia de 80% do iFood, empresa brasileira que lidera o mercado há anos.
Além disso, empresas brasileiras menores também estão expandindo sua atuação, como a UaiRango, presente em mais de 200 cidades. A Aiqfome, com planos de alcançar 1.000 cidades, oferece entrega de diversos produtos, incluindo medicamentos e gás de cozinha.
Disputa também envolve restaurantes e entregadores
A competição não se restringe apenas ao consumidor final, estendendo-se a restaurantes e entregadores, com disputas judiciais sobre contratos de exclusividade, descontos e taxas especiais. O Brasil, como a maior economia da América Latina, também se destaca como o principal mercado de delivery da região.
Até 2023, mais de 100 milhões de brasileiros utilizavam aplicativos de entrega, com projeções de receita que devem crescer de US$ 21,18 bilhões em 2025 para quase US$ 28 bilhões até 2029, representando um crescimento anual de 7%, segundo dados da Statista. O iFood lidera o mercado com cerca de 80% dos pedidos, seguido por Rappi, Uber Eats e concorrentes como 99Food e Keeta, que planejam investimentos significativos para expandir sua participação no Brasil.
Várias tendências estruturais impulsionam esse crescimento, incluindo a integração de pagamentos digitais, parcerias exclusivas com restaurantes, demanda resiliente do consumidor, expansão para cidades de médio porte e estratégias de retenção cada vez mais sofisticadas, como assinaturas e garantias de entrega.
Proteção da propriedade intelectual no setor de delivery
Embora a lei brasileira de Propriedade Intelectual (PI) não ofereça proteção explícita para o conjunto-imagem, os tribunais reconhecem sua importância na prevenção da concorrência desleal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem acolhido alegações de trade dress, enfatizando a necessidade de evitar confusão entre os consumidores. Relatórios de especialistas em semiótica são frequentemente utilizados para demonstrar semelhanças e a probabilidade de associação entre marcas concorrentes.
Ademais, proteções complementares estão disponíveis. Formas, embalagens e elementos gráficos podem ser registrados como desenhos industriais, concedendo direitos exclusivos sobre suas formas estéticas. Os recursos funcionais de aplicativos ou sistemas de entrega podem ser protegidos por meio do registro de programas de computador ou por patentes e modelos de utilidade, desde que atendam aos requisitos legais de novidade e inventividade.
Essas ferramentas, combinadas com a aplicação de marcas registradas e imagens comerciais, permitem que as empresas criem uma estratégia em camadas para proteger a identidade de sua marca e as inovações tecnológicas. No setor de delivery, onde a visibilidade em lojas de aplicativos e o rápido reconhecimento do consumidor são cruciais, aproveitar essa combinação de proteções de PI é fundamental.
O judiciário desempenha um papel crucial no estabelecimento de limites para a imitação, evitando a concorrência desleal. Inovação, originalidade e práticas éticas são fatores que distinguirão as empresas que constroem marcas sustentáveis daquelas que enfrentam desafios legais dispendiosos.
À medida que o mercado se expande, as empresas devem equilibrar o crescimento com responsabilidade, originalidade e conformidade. Proteger a identidade da marca, respeitar os concorrentes e investir em diferenciação são fatores decisivos para o sucesso a longo prazo.
Para empresas que consideram entrar no Brasil, a lição é clara: entender o cenário competitivo antes de lançar, evitando que a oportunidade se transforme em litígios caros.
Entenda o cenário competitivo antes de lançar, observe a oportunidade se transformar em litígios caros.
— Gabriel Di Blasi e Paulo Armando Innocente de Souza, Di Blasi, Parente & Associados






