Nos últimos dois anos, a adoção de inteligência artificial (IA) pela indústria brasileira cresceu rapidamente. Em 2024, 41,9% das empresas do setor já utilizavam alguma solução baseada em IA, contra 16,9% em 2022, segundo a Agência Brasil. Esse salto de 163% em apenas dois anos reflete o apetite do setor por eficiência e automação, com aplicações que vão de algoritmos de manutenção preditiva a robôs colaborativos e assistentes virtuais.
No entanto, enquanto a inteligência artificial avança, a infraestrutura que a sustenta acompanha esse ritmo? Redes, servidores, nuvem e segurança formam a base dessa transformação e podem ser o verdadeiro gargalo da era industrial inteligente.
Conectividade ainda é um desafio
Um sistema de IA só entrega resultados se estiver sustentado por redes de comunicação rápidas e estáveis. É aí que muitas indústrias brasileiras ainda enfrentam dificuldades. Apesar do entusiasmo em torno do 5G, apenas 6% das fábricas do país tinham redes 5G instaladas até o fim de 2023. Mais da metade sequer discute o tema internamente, reflexo da falta de infraestrutura local e do alto custo de implantação.
Na prática, a maioria das operações industriais continua apoiada em redes legadas, 4G ou Wi-Fi tradicionais, que raramente oferecem a baixa latência e a confiabilidade necessárias a aplicações críticas. Em ambientes de produção com sensores IoT, câmeras de visão computacional e veículos autônomos, qualquer oscilação de sinal pode significar paradas, falhas e prejuízos. A promessa da manufatura 4.0 depende de uma conectividade quase instantânea.
Infraestrutura de dados concentrada
Mesmo com a expansão da fibra ótica e a chegada do 5G às capitais, a interconexão entre data centers e redes regionais segue abaixo do necessário para sustentar serviços de IA distribuída. Além disso, 90% da capacidade de data centers do país está concentrada no Sudeste, o que obriga empresas do Nordeste e Centro-Oeste a enviar dados por distâncias maiores, com tempos de resposta mais altos. Já existem iniciativas fora do eixo Sudeste, mas ainda são exceções.
Onde processar tantos dados?
Além da questão das redes, surge o desafio de onde e como processar os crescentes volumes de dados gerados pela indústria inteligente. Treinar e inferir modelos de IA é intensivo em processamento e envolve servidores equipados com GPUs, armazenamento rápido e, muitas vezes, necessidade de resposta em tempo real.
Historicamente, muitas indústrias brasileiras mantiveram servidores on-premises para seus sistemas de ERP, automação ou controle de produção. No entanto, a onda de IA exige muito mais. Duas tendências têm surgido como solução: a migração para a nuvem e o edge computing, mais próximo do chão de fábrica.
Adoção da nuvem
A adoção de computação em nuvem já é elevada: 77,2% das empresas industriais utilizaram serviços de nuvem em 2024, segundo pesquisa do IBGE. Essa foi a tecnologia digital avançada mais usada, acima até da própria IA. A nuvem oferece elasticidade, permitindo que a empresa alugue quantos servidores virtuais precisar, quando precisar. No entanto, adotar a nuvem não significa automaticamente estar preparado.
Muitas empresas estão apenas começando essa jornada e enfrentam obstáculos para integrá-la aos sistemas existentes. Cerca de 45% das empresas apontaram dificuldade de integrar novas tecnologias, como IA e ferramentas em nuvem, com seus processos e estruturas atuais. Isso indica que boa parte está esbarrando em sistemas legados e arquiteturas não planejadas para um ambiente híbrido. Além disso, depende-se novamente de conectividade estável.
Edge computing como solução
Esse cenário de gargalos e latência explica o crescimento do interesse pelo edge computing. No Brasil, o movimento ainda é incipiente, mas começa a ganhar forma: 64% dos provedores regionais de internet (ISPs) já iniciaram ou planejam investimentos em data centers próprios. A maioria aposta em estruturas de pequeno e médio porte, criadas justamente para atender demandas empresariais locais e suportar serviços de baixa latência.
Nas grandes indústrias, essa tendência se traduz na instalação de “mini-nuvens” internas, servidores dedicados a rodar algoritmos de visão computacional, sistemas de robótica e análises preditivas em tempo real, sem que cada dado precise viajar até São Paulo ou para um data center no exterior. É o primeiro passo para uma infraestrutura mais distribuída, capaz de responder na velocidade que a automação industrial exige.
Segurança é fundamental
Transversal a tudo está a segurança e a governança. Nesse aspecto, “prontidão” significa antecipar problemas, adotando uma postura proativa de que ataques vão acontecer e falhas vão surgir, preparando-se antes. Empresas líderes já tratam cibersegurança e proteção de dados como parte inseparável da transformação digital.
Ferramentas de IA devem ser duplamente testadas, dados críticos precisam de criptografia e backups isolados, e uma cultura de conscientização deve permear desde o chão de fábrica até a alta direção. A convergência entre TI e TO na indústria demanda também um casamento entre os responsáveis de cada área, trabalhando juntos para mapear riscos e mitigar pontos fracos, seja no servidor em nuvem ou no robô da linha de montagem.
O desafio da indústria brasileira não é mais entender o potencial da IA, isso já está claro. O que falta é garantir que a base física e digital esteja preparada para essa nova lógica produtiva. Conectividade, poder de processamento e segurança da informação deixaram de ser temas de bastidores para se tornarem determinantes da competitividade industrial.
— Heber Lopes, Head de Produtos e Marketing na Faiston
A corrida da IA está em curso, mas só cruzará a linha de chegada quem tiver o terreno preparado. Sem investir em infraestrutura, a inteligência pode até brilhar, mas continuará correndo sobre um chão instável.






