Vivemos uma transição profunda na ordem internacional. O mundo multipolar que se desenha impõe aos países, sobretudo às grandes economias, a responsabilidade de reconfigurar a governança global com base em diálogo, representatividade e respeito às diferenças. Nesse processo, o papel dos BRICS, como força de equilíbrio e proposição, ganha centralidade, especialmente no diálogo com a União Europeia e os Estados Unidos. O desafio, no entanto, não é substituir velhas hegemonias por novas, mas sim construir um multilateralismo reformado, inclusivo e cooperativo.
O G20 como espaço estratégico de diálogo
O G20 se apresenta como o principal espaço estratégico para esse diálogo. A presença simultânea de BRICS, UE e EUA oferece uma rara oportunidade para articulações entre diferentes visões de mundo, sejam elas econômicas, políticas ou jurídicas. Em um cenário de disputas geopolíticas e fragmentação normativa, o G20 permanece como uma arena essencial para a construção de acordos em temas urgentes, como mudanças climáticas, tributação internacional, comércio digital e reformas nas instituições financeiras globais.
Mais do que possível, a concertação entre blocos é necessária para promover uma governança sem hegemonias e pautada na corresponsabilidade global.
O papel da OMC no comércio internacional
No comércio internacional, a Organização Mundial do Comércio (OMC) continua sendo a guardiã do multilateralismo econômico. Embora paralisada em sua função jurisdicional desde 2019, a OMC é fundamental para a construção de regras comerciais mais justas. Os BRICS, por exemplo, reivindicam maior equilíbrio nas normas sobre agricultura e acesso à tecnologia, enquanto EUA e UE pressionam por modernizações nas áreas de propriedade intelectual, sustentabilidade e economia digital. O desafio comum está em compatibilizar essas agendas e restaurar a credibilidade do sistema multilateral de solução de controvérsias, que deve funcionar com legitimidade e eficácia.
Mediação e arbitragem como alternativas
Nesse ponto, os meios alternativos de resolução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, assumem um papel cada vez mais estratégico. Eles oferecem instrumentos céleres, técnicos e imparciais para solucionar disputas internacionais, reduzindo a sobrecarga das cortes tradicionais e ampliando a confiança entre os agentes econômicos. A mediação, por exemplo, tem sido usada em disputas comerciais envolvendo infraestrutura e energia, permitindo soluções negociadas que preservam parcerias de longo prazo.
Já a arbitragem consolidou-se como mecanismo central em conflitos sobre investimentos estrangeiros e contratos internacionais, trazendo maior previsibilidade e segurança jurídica às partes. Em um cenário marcado pela pluralidade de sistemas jurídicos, esses mecanismos contribuem não apenas para harmonizar interesses divergentes, mas também para fortalecer a cooperação econômica e política entre países e blocos.
A importância da ONU e a reforma do Conselho de Segurança
No campo político, a ONU permanece insubstituível como espaço de governança global. No entanto, seu sistema precisa refletir a realidade do século XXI. A ampliação do Conselho de Segurança, com inclusão de países do Sul Global, como Brasil e Índia, é uma demanda histórica e legítima. Também é fundamental fortalecer princípios como a autodeterminação dos povos, o respeito à diversidade institucional e cultural e a não intervenção. Europa e Estados Unidos têm um papel crucial na preservação da ordem internacional baseada em regras, mas precisam estar dispostos a compartilhar poder e aceitar a pluralidade como fundamento da estabilidade.
Nesse contexto, os BRICS propõem um novo paradigma jurídico global, baseado em quatro princípios centrais: soberania nacional, autodeterminação, cooperação com respeito às diferenças e reforma inclusiva das instituições multilaterais. Não se trata de rejeição à cooperação entre múltiplos países, mas de sua renovação, com estruturas mais transparentes, representativas e adaptadas aos desafios globais contemporâneos.
O papel dos juristas na nova ordem global
Essa transformação tem impacto direto no campo jurídico e na atuação dos profissionais do Direito. A crescente fragmentação normativa entre BRICS, EUA e UE exige um novo perfil de jurista, mais técnico, estratégico e intercultural. Questões como compliance digital, regulação de novas tecnologias, contratos internacionais e justiça ambiental ganham complexidade em um cenário regulatório diverso, em que a harmonização exige diálogo constante entre sistemas jurídicos.
Além disso, os direitos humanos entram em nova fase de interpretação e aplicação. A proteção de liberdades fundamentais precisa ser equilibrada com o respeito à autodeterminação cultural e institucional dos países. Isso exige dos operadores do Direito uma abordagem menos impositiva e mais dialógica, capaz de construir consensos e soluções duradouras.
O século XXI exige uma governança global capaz de refletir a pluralidade do mundo. Os BRICS, ao lado da Europa e dos Estados Unidos, têm a responsabilidade compartilhada de renovar a arquitetura institucional internacional com base em princípios e pragmatismo. Para os juristas, é hora de construir pontes jurídicas entre modelos diversos, fortalecendo também instrumentos como a mediação e a arbitragem, de modo a promover uma ordem internacional que seja, ao mesmo tempo, justa, sustentável e verdadeiramente representativa.
— Thomas Law, advogado e presidente do Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina)






