A herança digital ganhou destaque com o julgamento do REsp 2.124.424/SP, que criou a figura do Inventariante Digital. O caso tratou da tentativa judicial de acesso a um computador de pessoa falecida, cuja senha era desconhecida pelos familiares.
O caso e a proteção à intimidade
A relatora, ministra Nancy Andrighi, levantou uma questão essencial: a proteção aos direitos da personalidade, como o direito à intimidade do falecido e de terceiros. Ou seja, seria correto liberar acesso irrestrito ao conteúdo do computador?
Afinal, além de bens econômicos e afetivos, poderiam existir segredos e questões íntimas que o falecido não desejava compartilhar. A solução proposta foi a criação do Inventariante Digital, um profissional especializado que acessaria o conteúdo em sigilo, listando todos os arquivos disponíveis.
É dever do juiz compatibilizar o direito dos herdeiros à transmissão de todos os bens com os direitos de personalidade, especialmente a intimidade do falecido e/ou de terceiros. — Ementa do Acórdão
O papel do inventariante digital
A lista completa seria encaminhada ao juiz do inventário, que decidiria o que é patrimônio transmissível e o que deve ser mantido em sigilo, protegendo a intimidade. A criação dessa figura jurídica pode trazer avanços na organização de dados.
No entanto, o processo de inventário pode se tornar mais moroso e custoso, já que o inventariante digital atuaria como um auxiliar da Justiça, equiparado a um perito. Além disso, a transparência e a isonomia são preocupações relevantes.
O Inventariante Digital, ao ter acesso privilegiado a documentos, bens, senhas e informações digitais, concentra um poder de gestão exclusivo, não acessível aos demais interessados. A família fica dependente do crivo de uma terceira pessoa sobre o conteúdo que poderá ou não acessar, sem fiscalização direta.
Riscos e alternativas
Essa situação traz riscos como a ocultação ou manipulação de dados patrimoniais pela falta de transparência. Desse modo, a falta de publicidade do que foi encontrado impede que os herdeiros acompanhem e contestem os atos do inventariante.
Afinal, se a premissa é preservar a intimidade do falecido, por que o perito e o magistrado teriam acesso a essas informações íntimas? Não há justificativa para privar os herdeiros da mesma transparência, já que o patrimônio pertence à sucessão, à família.
Uma alternativa seria a manifestação de vontade do falecido em testamento, determinando que bens digitais de caráter pessoal sejam mantidos em sigilo, excluídos ou inacessíveis, evitando violação da intimidade. Além disso, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4066/2025, que visa dispor sobre a sucessão de bens digitais e criar a figura do inventariante digital.
Transparência e justiça
Portanto, a figura do inventariante digital só se justifica se acompanhada de mecanismos claros de auditoria, fiscalização e disponibilização dos documentos às partes, garantindo que o acesso não se torne privilégio exclusivo, mas sim instrumento de justiça e equidade no inventário.






