O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou o acórdão da decisão que altera a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), redefinindo a lógica de responsabilização das plataformas digitais no Brasil. A decisão, tomada em junho e agora divulgada na íntegra, marca um divisor de águas na regulação do ambiente digital, impondo novas obrigações às empresas de tecnologia e ampliando mecanismos de proteção aos usuários.
Novas regras para plataformas digitais
Antes da decisão, a responsabilidade civil das plataformas por conteúdos de terceiros só se configurava após descumprimento de ordem judicial específica. Com a nova interpretação, essa regra permanece apenas para crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria). Para crimes mais graves, como atos antidemocráticos, terrorismo, indução ao suicídio, discurso de ódio, pornografia infantil, crimes sexuais contra vulneráveis e tráfico de pessoas, as plataformas passam a ter dever de cuidado, devendo agir proativamente para remover conteúdos ilícitos, mesmo sem notificação ou ordem judicial.
Os demais conteúdos ilícitos, bem como conteúdos já reconhecidos judicialmente como indevidos e replicados em novas postagens, devem ser removidos mediante simples notificação extrajudicial, sem necessidade de nova ordem judicial. Também haverá responsabilização automática para conteúdos impulsionados ou patrocinados, dada a relação direta de lucro das plataformas com tais publicações.
Impacto da decisão do STF
Para Luiz Fernando Plastino, especialista em Propriedade Intelectual, Privacidade e Proteção de Dados, advogado do escritório Barcellos Tucunduva Advogados, a decisão “inverte a lógica original do Marco Civil, que privilegiava a proteção das plataformas, para agora priorizar a proteção dos indivíduos e da ordem democrática”.
Segundo ele, essa mudança impõe obrigações adicionais significativas às empresas:
- Investimento em moderação e filtros de conteúdo para identificar e remover postagens ilícitas;
- Canais acessíveis para notificações, inclusive por não-usuários;
- Programas de autorregulação, com sistemas de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência;
- Representante legal no Brasil com poderes amplos, especialmente para empresas estrangeiras, garantindo cooperação com autoridades.
O dever de cuidado imposto pelo STF exige uma postura ativa das plataformas, sob pena de responsabilização civil e danos reputacionais. Não se trata apenas de reagir, mas de prevenir.
— Luiz Fernando Plastino, especialista em Propriedade Intelectual, Privacidade e Proteção de Dados
Preocupações com a liberdade de expressão
A ampliação da responsabilidade sem ordem judicial levanta preocupações sobre liberdade de expressão e privacidade. O especialista alerta para o risco de censura ou exposição indevida de usuários. “Dependendo da forma como as notificações sejam utilizadas e recebidas, a possibilidade de remoção mediante simples notificação pode ser usada para silenciar vozes legítimas ou obter dados pessoais sem justificativa adequada. É essencial que o Congresso avance na regulamentação, garantindo equilíbrio entre combate a ilícitos e preservação de direitos fundamentais”.
A decisão não altera a situação de provedores de e-mail, aplicativos de mensagens privadas e plataformas de reuniões fechadas, que continuam sob a proteção integral do artigo 19. Já plataformas de e-commerce permanecem regidas pelo Código de Defesa do Consumidor.






