No artigo abaixo, o escritor Sergio P. Rossoni revisita as tensões que antecederam a Primeira Guerra Mundial para mostrar como medo, vaidade política e disputas por reconhecimento moldaram decisões que empurraram o mundo ao caos. Ele traça paralelos entre as potências de 1914 – presas a corridas armamentistas, demonstrações de força e líderes fragilizados por egos inflados – e os impasses contemporâneos, revelando o quanto esses padrões seguem vivos.
O “temor egóico” e a política da Primeira Guerra
Mais de um século após o silêncio das trincheiras, a Primeira Guerra Mundial se revela uma lente indispensável para decifrar os conflitos contemporâneos. Longe de ser um capítulo distante, ela revela padrões e motivações que ecoam no presente, questionando o que, de fato, não aprendemos. Este ciclo de erros contínuos, infelizmente, empurra o mundo repetidamente à beira de abismos, expondo os impactos silenciosos dessas tragédias na vida de pessoas comuns.
A política da era da Primeira Guerra foi moldada pelo “temor egóico” das potências – um medo da impotência que se transferiu a nações e líderes. Áustria-Hungria, França, Inglaterra e Alemanha, temerosas da Rússia, agiam por meio de receios profundos. O Kaiser Wilhelm II, em busca de reconhecimento e superioridade, adotou a “weltpolitik”. Essa estratégia, aliada à sua personalidade impaciente e ao complexo de inferioridade, desestabilizou a política externa alemã, ameaçando a hegemonia britânica e gerando crises.
A busca por poder e o obscurecimento do juízo
As corridas armamentistas, como a frenética construção dos “dreadnoughts” – que, em vez de funcionar como um “blefe” para negociações, selaram o isolamento alemão – e as crises do Marrocos, onde a Alemanha tentava fragmentar a Entente Cordiale, demonstram como a busca por poder obscurece o juízo. Mesmo o assassinato em Sarajevo, estopim do conflito, foi subestimado por líderes acostumados à diplomacia, que não previram a magnitude da catástrofe. A paz, tão almejada, foi trincada pelo medo humano e pelo desejo de ser aceito, reconhecido e, acima de tudo, superior – sentimentos que contaminam tanto líderes quanto suas nações.
Repetição de erros e a guerra na Ucrânia
O que não parece ter sido aprendido é que a escalada de tensões, impulsionada por ambições nacionais e pelos egos fragilizados de líderes, raramente resulta em paz duradoura. A subestimação da guerra, a confiança excessiva no controle do conflito e a prioridade do orgulho nacional sobre a diplomacia e a empatia são legados que, lamentavelmente, se repetem.
Esses erros desencadearam a Segunda Guerra Mundial, as guerras no Pacífico, na Coreia, no Vietnã, nas Malvinas, a invasão do Oriente sob a justificativa da “caça ao terror” e, recentemente, a guerra na Ucrânia. Essas falhas persistem e parecem fazer parte da estrutura do caráter humano, resultando em um ciclo vicioso de dor e destruição.
Um ciclo de destruição?
A Grande Guerra é um sombrio lembrete de que medo, inseguranças e o voraz desejo de poder continuam a impulsionar nações ao abismo. Apesar das tragédias evitáveis e da subestimação de líderes, as lições permanecem ignoradas. É frustrante constatar a incapacidade humana de romper com a dinâmica do “ego desestruturado” na política global. Sem uma crítica profunda e ações decisivas por parte da diplomacia e reflexão, o passado não apenas se repetirá, mas se agravará, condenando-nos a um ciclo de destruição.
*Sergio P. Rossoni é escritor de romances histórico-policial e autor do livro “O Olho de Gibraltar”, que ficcionaliza os meses antecedentes à Primeira Guerra Mundial





