A possível revogação da Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), em discussão no Congresso Nacional, reacendeu o debate sobre como a Justiça trata conflitos de guarda e convivência, especialmente em casos de violência doméstica.
Críticas à aplicação da lei
De um lado, há quem defenda a manutenção da lei para equilibrar a relação entre os pais. Por outro, órgãos públicos e especialistas argumentam que a norma tem sido usada para deslegitimar denúncias e transferir para as mães a culpa por omissões ou violências paternas.
Para a advogada Victória Araújo Acosta, especialista em direito de família e violência doméstica, a lei precisa ser revogada. “O modo como a Lei de Alienação Parental vem sendo aplicada inverte a lógica da proteção. Em muitos casos, a resistência da criança ao convívio com o pai decorre de histórico de violência, negligência ou ausência paterna, e ainda assim a responsabilidade é deslocada para a mãe, sob a acusação de alienação”, afirma.
O modo como a Lei de Alienação Parental vem sendo aplicada inverte a lógica da proteção. Em muitos casos, a resistência da criança ao convívio com o pai decorre de histórico de violência, negligência ou ausência paterna, e ainda assim a responsabilidade é deslocada para a mãe, sob a acusação de alienação.
— Victória Araújo Acosta, advogada especialista em direito de família e violência doméstica
Aumento nos casos de alienação parental
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que o número de ações de alienação parental cresceu de 401 em 2014 para mais de 5 mil em 2023, um aumento superior a dez vezes.
Em março de 2024, a Defensoria Pública da União (DPU) recomendou a revogação do termo “alienação parental” do ordenamento jurídico brasileiro, orientando que a expressão deixe de ser utilizada por autoridades estatais e em políticas públicas.
Ainda segundo a DPU, a teoria não tem base científica e sua aplicação pode acentuar estereótipos de gênero, reforçar desigualdades e “obstaculizar denúncias legítimas de violência doméstica”, violando direitos de crianças, adolescentes e mulheres.
Violência processual
A DPU avalia que a forma como a lei vem sendo usada produz um cenário de violência processual: a vítima de violência doméstica, ao acionar a Justiça, passa a responder simultaneamente a acusações de alienação parental, sob o risco de perder a guarda ou ter a convivência restrita.
Outras instituições se manifestam
Victória Acosta aponta que diversas outras instituições, nacionais e internacionais, também identificam problemas com a Lei de Alienação Parental. O CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), por exemplo, já se manifestou pela revogação de alguns itens da legislação.
A especialista explica a dinâmica: “Quando a mãe denuncia violência ou tenta proteger a criança em seu bem-estar físico ou emocional, o processo se volta contra ela com base na alegação de alienação parental. Essa estratégia é frequentemente usada por genitores violentos, ausentes e irresponsáveis, que passam a controlar o discurso dos autos com base na LAP, legislação que nitidamente não protege crianças, mas, ao contrário, as expõe a contextos de risco e vulnerabilidade. Isso revitimiza mulheres e enfraquece a proteção integral de crianças e adolescentes”, afirma.
Tramitação no Legislativo
O movimento pela revogação da lei também avança no Legislativo. No Senado, o Projeto de Lei 1.372/2023 propõe a revogação integral da Lei nº 12.318/2010 e já foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos (CDH). A proposta parte do entendimento de que a legislação atual pode abrir brechas para que pais acusados de abuso ou violência utilizem a tese de alienação parental para reverter guardas ou desqualificar denúncias.
A advogada destaca que o medo de sofrer uma acusação de alienação parental tem um efeito direto sobre a decisão de denunciar crimes. “Muitas mulheres deixam de relatar abusos, especialmente os de difícil comprovação imediata, porque sabem que uma das consequências previstas na lei é a alteração de guarda. Esse medo não é abstrato; ele aparece em relatos de atendimento e em decisões judiciais. Na prática, a norma cria um ambiente de contenção das denúncias e exposição de crianças a diversos tipos de violência”, avalia.
Acosta lembra que a exposição de crianças a convivências forçadas com o genitor, ou cenários que representem afronta ao bem-estar emocional dos infantes, também são formas de violência, mais precisamente violência psicológica ou moral. “A Lei de Alienação Parental favorece essa situação potencialmente danosa para as crianças, ao ignorar condutas paternas e transferir para a mãe e a criança todo o ônus das ações ou omissões do genitor”, completa.
Por fim, Victória Acosta informa que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de gênero assevera que a falsa acusação de alienação parental é comumente usada por genitores agressores, com o objetivo de tirar o foco de suas ações e amenizar as consequências dos seus atos, culpabilizando a mãe presente pela resistência ou falas da criança. “E tal atitude configura violência processual contra mulheres”, conclui.






