O legado do Prêmio Nansen impulsionou o projeto Clima e Deslocamentos Humanos, uma iniciativa do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) em parceria com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). A ação percorre o país oferecendo formações sobre a relação entre o clima e os deslocamentos humanos.
A scalabriniana Rosita Milesi, diretora do IMDH, foi laureada em 2024 com o Prêmio Nansen da ACNUR por sua dedicação às pessoas refugiadas no Brasil. Em decorrência desse reconhecimento, criou o projeto Clima e Deslocamentos Humanos, que visa capacitar pessoas sobre os impactos dos eventos climáticos extremos nos deslocamentos forçados.
O objetivo é construir caminhos de esperança e posicionar refugiados e migrantes como agentes centrais da justiça climática.
Capacitação e transformação socioambiental
Entre setembro e novembro de 2025, o projeto capacitou 600 pessoas de 13 cidades e comunidades afetadas pela degradação climática. O intuito é que os participantes discutam as dinâmicas locais e proponham medidas de atenção às consequências da crise climática, formando atores ativos de transformação socioambiental global, em alinhamento com o Pacto Global para Refugiados do ACNUR e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
O enfrentamento da crise climática passa, antes de tudo, pela escuta e pelo fortalecimento das pessoas e comunidades locais que mais sentem seus efeitos. São elas que nos ensinam, com sua sabedoria e coragem, caminhos de cuidado e esperança.
— Irmã Rosita Milesi, diretora do IMDH
As oficinas do projeto são marcadas pela participação e construção coletiva, extrapolando o ambiente da sala de aula. Além das dinâmicas e debates sobre deslocamentos humanos e justiça climática, o projeto conta com feiras de artesanato e apresentações culturais, que expressam a força e a diversidade dos povos presentes.
Experiências e perspectivas
Anne Dominique, presidente da Associação dos Haitianos no Brasil (AHB), participou da oficina em Canoas (RS). Para ela, este conhecimento é fundamental, especialmente por ter enfrentado as enchentes que afetaram o estado em 2024.
Nosso trabalho é também ajudar a nossa comunidade a entender e apoiar a prevenção de situações como as enchentes que aconteceram aqui. É importante que nós, enquanto lideranças comunitárias, tenhamos essa formação sobre mudanças climáticas, para que possamos repassar.
— Anne Dominique, presidente da AHB
A metodologia do projeto une dados científicos, saberes ancestrais e técnicas de arte-ativismo para criar soluções socioambientais no enfrentamento das crises climáticas e deslocamentos forçados. Robert Montinard, facilitador das oficinas, destaca que o intuito não é “passar conhecimento”, mas compartilhar.
A metodologia oferece a oportunidade para as pessoas tirarem de dentro para fora as experiências de vida. Falamos sobre as pedras no caminho, as dificuldades que tivemos no processo de deslocamento pelas questões de mudanças climáticas. Depois, vemos os caminhos formados pela resistência, as lutas, as iniciativas. O projeto foca nas pessoas afetadas, para escutá-las e transformar a dor em propostas.
— Robert Montinard, facilitador das oficinas
Adriano Katetula, participante da oficina em Canoas e morador de Esteio (RS), diz ter ficado impactado com as experiências compartilhadas no encontro.
Crianças pela justiça climática
Em parceria com a Rede Infâncias Protagonistas, o projeto Clima e Deslocamentos Humanos realizou atividades com 300 crianças refugiadas e migrantes da Venezuela, Haiti, Bolívia, Nigéria, Paraguai e Líbano. Nas oficinas, realizadas em 10 cidades, elas plantaram mudas nativas, criando jardins que simbolizam raízes, esperança e pertencimento.
As crianças aprenderam sobre crises climáticas, deslocamentos humanos e justiça climática, temas que dialogam com suas histórias. Através da contação de histórias do livro Pasito a Pasito: Cruzando Fronteiras, puderam se reconhecer e compreender que não estão sozinhas em suas jornadas.
Com lápis de cor e criatividade, expressaram em desenhos seus sonhos, memórias e visões sobre sustentabilidade. Plantaram suas mudas nativas e levaram para casa um kit de jardinagem, cultivando futuros mais verdes.
Presença na COP30
Irmã Rosita também apresentou o projeto na COP30, em Belém, buscando fortalecer articulações em torno da agenda climática e da mobilidade humana. Para 2026, está prevista a criação da Rede Nacional Clima e Deslocamentos Humanos, que reunirá representantes de diferentes regiões do país para o intercâmbio de experiências e a construção conjunta de propostas de ação.
Davide Torzilli, Representante do ACNUR no Brasil, participou do painel na COP30 e destacou dados do relatório Sem Escapatória II: o caminho a seguir, lançado pelo ACNUR. Segundo o relatório, três em cada quatro pessoas deslocadas à força no mundo vivem em países que enfrentam alta exposição a riscos relacionados ao clima.
Nos últimos 10 anos, os desastres relacionados ao clima causaram cerca de 250 milhões de deslocamentos internos, o que equivale a mais de 700 mil deslocamentos por dia. Ver o Prêmio Nansen resultar em um projeto de educação ambiental e de estruturação de redes de apoio reforça a urgência desta agenda e confirma a vanguarda da Irmã Rosita enquanto agente de impacto e transformação na vida de pessoas refugiadas no Brasil.
— Davide Torzilli, Representante do ACNUR no Brasil
O caminho se faz caminhando
Inspirado nas palavras da Irmã Rosita, o projeto reconhece que o enfrentamento das crises climáticas e dos deslocamentos humanos não segue trilhas demarcadas. Ao contrário, desafia a sociedade a construir novas trilhas, unindo saberes científicos, experiências vividas e práticas comunitárias transformadoras.
O projeto se estruturou em quatro frentes principais:
- Formação Trilhas do Semear: oficinas para capacitar agentes multiplicadores.
- Comunicação e Narrativas – Estradas da Palavra: criação de conteúdos digitais e audiovisuais.
- Saberes Compartilhados – Trilhas do Saber: integração entre academia e comunidades.
- Mobilização e Incidência – Caminhos Coletivos: articulação de políticas públicas, participação na COP30 e criação de uma rede nacional.
A nova edição do Prêmio Nansen do ACNUR 2025 ocorrerá dia 10 de dezembro, em Genebra. Desde 1954, são homenageadas pessoas e organizações que se dedicam ao apoio e à proteção de pessoas refugiadas e deslocadas em todo o mundo.






