A violência vicária, caracterizada pelo uso de filhos para manipular e retaliar o outro genitor, especialmente em contextos de separação e litígios judiciais, tem gerado crescente preocupação. Essa prática, que compromete o bem-estar emocional da criança e aumenta a vulnerabilidade da mulher, tem sido observada com maior frequência.
O que é violência vicária?
De acordo com a advogada Victória Araújo Acosta, especialista em direito de família e violência doméstica, a violência vicária se manifesta quando um dos genitores utiliza a criança para continuar a violência contra o outro. “Violência vicária é um tipo de violência doméstica em que o genitor utiliza a criança para continuar violentando a mãe. Isso pode aparecer em pedidos de guarda, revisões de convivência ou comportamentos que colocam o filho como peça de controle. O agressor mantém contato forçado, manipula, ameaça ou chantageia a mãe usando a criança como intermediária”, explica.
A especialista ressalta que essa prática é reconhecida por diretrizes jurídicas e psicológicas como um desdobramento da violência psicológica. “A criança vira veículo da agressão e passa a sofrer, direta ou indiretamente, as consequências da violência doméstica, junto com sua mãe”, complementa Victória.
Dados alarmantes sobre violência contra crianças
Dados do Ministério da Saúde, através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), revelaram que, em 2022, foram registrados 38.899 casos de violência contra crianças de 0 a 9 anos. Desses casos, 30,1% envolviam crianças de 0 a 1 ano, 39,4% de 2 a 5 anos e 30,5% de 6 a 9 anos. Notavelmente, 88,3% dessas agressões ocorreram dentro do ambiente doméstico. Embora os números não identifiquem diretamente a violência vicária, eles destacam o lar como um espaço de risco significativo.
Impactos emocionais e psicológicos
Pesquisas publicadas na Revista Psicologia: Ciência e Profissão indicam que conflitos intensos entre os pais, combinados com pressão emocional, podem desencadear ansiedade, irritabilidade e sentimentos de culpa nas crianças. Victória Araújo Acosta enfatiza a importância de observar esses sinais com atenção. “Não podemos nos esquecer que os impactos da violência doméstica serão sentidos por todos os envolvidos na agressão, principalmente a mãe, figura central de ataque por parte do genitor, que se utiliza da criança para tanto, e a própria criança, que se vê no centro de um conflito parental violento e prejudicial”, afirma.
Para a mãe, o que mais importa é o filho, e quando questionadas em sua maternidade pelo genitor que, muitas vezes, solicita inversão de guarda, acusa de alienação parental, o sofrimento e o medo são muito grandes, e o processo se torna mais uma ferramenta de perpetuação do ciclo da violência.
— Victória Araújo Acosta, advogada
Medidas de combate e proteção
A advogada Victória Araújo Acosta destaca a importância de combater a violência vicária e a violência processual, iniciando pela identificação da mulher como vítima. As medidas aplicáveis a outros tipos de violência também se aplicam a esses casos, incluindo o requerimento de medidas protetivas de urgência, a aplicação do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero em processos judiciais e o registro de ocorrências em delegacias especializadas.
Além disso, Victória ressalta que crianças não devem ser usadas como objetos de manipulação ou controle por nenhum dos genitores. A mulher tem o direito de seguir sua vida com tranquilidade após a separação, mesmo que tenha filhos em comum com o agressor. “A Justiça pode afastar o agressor da criança e da mãe sempre que entender que há risco ao desenvolvimento emocional do menor. A prioridade é proteger a criança de qualquer forma de sofrimento, e a mulher de todos os tipos de violência”, completa.
Para enfrentar esse problema, a advogada propõe uma articulação entre o Judiciário, redes de apoio e serviços de saúde mental. “Temos que compreender que a violência pode assumir diferentes contornos, e o combate a todos eles depende de atuação processual e extraprocessual forte e alinhada. O primeiro passo é a identificação da violência, para que a mulher possa buscar ajuda especializada em delegacias, ministério público, com advogadas, e agir preventivamente para evitar riscos maiores à si e aos seus filhos. É muito triste quando o agressor entende que a criança é o que a mãe tem de mais importante e se utiliza disso a seu favor. Mas não podemos permitir a continuidade de forma tão violenta e perversa de violência doméstica, sob pena de prejuízos irreversíveis para as mães e filhos. E lembre-se: não permita que o seu processo seja ferramenta de perpetuação de abusos”, finaliza.






