A nostalgia deixou de ser um sentimento sazonal e se tornou um comportamento cultural, intensificado em dezembro pelas retrospectivas digitais e gatilhos afetivos. Plataformas como o Spotify registram aumento no consumo de músicas dos anos 80, 90 e 2000. Segundo a empresa, 18% dos ouvintes têm hábitos musicais mais associados ao passado do que à sua faixa etária atual. A busca não é por tendências, mas por reconhecimento.
O que dizem os especialistas
Para o escritor Roberto T. G. Rodrigues, mestre de RPG e autor de obras de fantasia, dezembro funciona como um portal emocional.
A nostalgia aparece como um fogo brando que nos aquece quando o tempo parece frio demais. É um ponto entre o que fomos e o que estamos tentando ser.
— Roberto T. G. Rodrigues, escritor
A psicóloga Roberta Passos observa o fenômeno sob a perspectiva emocional.
É quando olhamos para trás e enxergamos tudo o que vivemos entre conquistas e perdas. A memória afetiva nos dá sensação de segurança quando estamos avaliando caminhos.
— Roberta Passos, psicóloga
Por que a nostalgia se intensifica em dezembro?
Retrospectivas digitais, como o Spotify Wrapped, somadas a reencontros, rituais e estímulos afetivos, criam o ambiente ideal para a nostalgia emergir. Músicas, filmes e objetos da juventude funcionam como âncoras em meio à sobrecarga da vida digital.
A especialista em comunicação Vivian Batizelli Koqui, de 46 anos, exemplifica:
Minha retrospectiva mostrou que minha ‘idade musical’ é 50, porque ouço muita música dos anos 90. Não é falta de alegria no presente; é que essa fase me conecta a descobertas, amizades e a um mundo mais analógico, com menos ruído.
Segundo Roberta Passos, isso tem fundamento neuroemocional: “Quando recordamos bons momentos, o cérebro libera dopamina. Em dezembro, estamos mais sensíveis e a nostalgia aparece como regulador emocional.”
O retorno aos mundos da fantasia
Durante o recesso, a procura por fantasia, RPG e universos geek aumenta. Roberto percebe isso entre leitores e fãs: “Nas férias, as pessoas respiram e voltam a procurar o que as faz sentir vivas. A fantasia devolve o senso de aventura que o cotidiano esconde”, afirma.
Ele descreve o apelo desses mundos: “Quando estamos cansados, buscamos lugares onde a coragem ainda faz sentido. Mundos imaginários lembram que ainda há espaço para o impossível quando a realidade pesa demais.”
Bem-estar emocional e nostalgia
Para a psicóloga Roberta, o retorno a referências afetivas é uma resposta saudável ao ritmo acelerado da vida moderna. “A busca por elementos da juventude reduz a tensão emocional. No entanto, é importante observar se a pessoa não está evitando viver o presente”, pontua.
Ela destaca que filmes, músicas e narrativas antigas “funcionam como organizadores internos, ajudando a pessoa a resgatar quem foi e a compreender quem é”.
Objetos físicos como portais
Escritor e psicóloga concordam sobre o papel dos objetos físicos.
Para Rodrigues, objetos físicos funcionam como portais: “Às vezes basta um detalhe ou um som para que memórias antigas se abram por dentro.”
Roberta complementa: “Nem sempre é o objeto em si que traz conforto, mas o que ele representa. Ele marca um ponto seguro na história emocional de cada pessoa.”
Nostalgia e leitura
O escritor aponta que a nostalgia frequentemente resgata o leitor adormecido: “Ela nos guia até os livros que nos moldaram. Muitas vezes, é essa volta que reacende o hábito da leitura.”
Já a psicóloga observa o impacto familiar: “Quando adultos compartilham músicas, livros e histórias do passado, criam pontes entre gerações e fortalecem vínculos.”
Roberto sintetiza o papel identitário da nostalgia. Segundo ele, a nostalgia é o eco daquilo que nos fez inteiros pela primeira vez, ou seja, consumimos cultura buscando reencontrar esses ecos e, no processo, entendemos quem somos agora.
No campo do equilíbrio emocional, a psicóloga Roberta Passos entende que recordar é saudável, desde que a pessoa permaneça conectada ao presente e às experiências que ainda estão por vir.






