A computação em nuvem avança no Brasil, mas esbarra em um problema persistente: a segurança. Um estudo global da Cisco revela que apenas 8% das empresas alcançaram maturidade na proteção de seus ambientes cloud. A transformação digital acelerou, mas os mecanismos de defesa não acompanharam, expondo o país a riscos.
Paradoxo da segurança em nuvem
O levantamento revela um paradoxo: empresas brasileiras migram sistemas, automatizam processos e armazenam dados, mas ainda tratam a segurança digital como algo adicional, não como parte da arquitetura. A nuvem, que deveria ser sinônimo de agilidade, tornou-se um ponto vulnerável, ameaçando a continuidade dos negócios a longo prazo.
Maturidade em segurança de nuvem, contudo, não se resume a firewalls sofisticados, mas envolve estratégia, governança e visibilidade. É saber quem acessa cada dado, de onde, por quanto tempo e com quais permissões. A compreensão de que o elo fraco reside nas identidades que operam os sistemas é crucial. Acima de tudo, é integrar tecnologia, processos e cultura em torno de um princípio: não há inovação sem proteção.
Pilares da maturidade em segurança
Nesse contexto, maturidade significa construir um ecossistema capaz de se defender, reagir e aprender. Empresas maduras operam sob uma lógica contínua: identificar, proteger, detectar, responder e recuperar. Elas encaram a segurança como um processo, não como um produto.
Governança e controle de acesso
A governança, com políticas claras, responsabilidades definidas e integração entre áreas de tecnologia, jurídico, risco e negócio, é a primeira camada. Empresas que dominam essa etapa sabem onde seus dados estão, quem os manipula e sob quais regras. O controle de identidade e acesso surge como o ponto mais vulnerável da cadeia digital. A Cisco aponta que 59% das organizações brasileiras enfrentam falhas em credenciais e permissões excessivas, abrindo brechas para invasões.
Visibilidade e proteção de dados
Além disso, a visibilidade se mostra essencial. Em ambientes híbridos, aplicações se espalham entre provedores, data centers e dispositivos de borda. Sem visibilidade integrada, a reação se torna impossível. Empresas maduras investem em observabilidade, unindo logs, telemetria e correlação de eventos para antecipar ameaças. Essa capacidade transforma segurança em inteligência operacional.
A proteção de dados exige criptografia forte, segmentação de rede e políticas de backup e retenção consistentes. A maturidade nesse ponto ultrapassa o cumprimento da LGPD, envolvendo a classificação de informações por criticidade, a definição de camadas de acesso e a garantia de resiliência sob ataque.
Resposta a incidentes
Por fim, a resposta a incidentes é crucial. Empresas maduras treinam equipes, simulam cenários e documentam aprendizados. Cada incidente é tratado como oportunidade de reforço, não apenas como falha.
Realidades da nuvem no Brasil
O Brasil opera em um ecossistema híbrido, com vantagens e riscos. Na nuvem pública, a configuração é o maior desafio. AWS, Azure e Google Cloud oferecem segurança avançada, mas dependem da ativação e manutenção pelo usuário. Buckets abertos e chaves expostas persistem como problemas básicos.
Na nuvem privada, o legado é o obstáculo. Muitas empresas mantêm infraestrutura própria, complexa e cara, com sistemas que não suportam automação nem segurança moderna. Essa lentidão cria uma falsa sensação de controle.
A nuvem híbrida, dominante, combina os riscos dos dois mundos. Segundo a Cloud Security Alliance, mais de 80% das empresas brasileiras operam modelos híbridos e 63% utilizam múltiplos provedores. A fragmentação resultante dificulta a coerência das políticas de segurança.
Embora o Brasil supere a média global em maturidade de segurança em nuvem, o cenário ainda preocupa. A modernização da infraestrutura avança mais rápido que a proteção. Mesmo economias desenvolvidas enfrentam dilemas semelhantes, mas com regulação e cultura de prevenção mais consolidadas.
A diferença não está no risco, mas na reação: quanto mais madura a economia digital, mais estratégica é a visão sobre segurança.
Cultura e orçamento: as travas invisíveis
A raiz do problema é cultural. A segurança da informação compete com outras áreas por orçamento e quase sempre perde. Um relatório da Cisco indica que menos da metade das empresas brasileiras destina mais de 10% do orçamento de TI à segurança. Com investimentos mínimos e equipes sobrecarregadas, a proteção se torna insustentável.
O resultado é previsível: ferramentas subutilizadas, controles mal configurados e uma falsa sensação de proteção. Acreditar na segurança apenas pela adoção de soluções sofisticadas, sem equipe para operá-las, é um erro comum.
O índice da Cisco reflete a cultura corporativa brasileira, revelando um país que abraçou a nuvem, mas não internalizou que segurança é parte da arquitetura, não apenas uma camada adicional.
A transformação digital sustentável depende de confiança, construída com previsibilidade, resiliência e transparência.
Empresas que alinharem governança, identidade e capacitação darão o salto que o mercado exige. As que tratarem segurança como um projeto de TI correm o risco de ver sua inovação desabar no primeiro incidente sério.
Afinal, maturidade em nuvem é um processo contínuo, técnico e humano. O Brasil só avançará quando entender que a nuvem não é apenas um local para dados, mas também um ambiente onde vulnerabilidades prosperam.






