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Multitarefa e produtividade: o perigo de fazer tudo ao mesmo tempo

Multitarefa e produtividade: o perigo de fazer tudo ao mesmo tempo

Vivemos em uma era onde a produtividade se tornou sinônimo de valor pessoal. A rotina acelerada, os prazos apertados e a constante exigência por resultados fazem com que muitos se orgulhem de conseguir “dar conta de tudo”. No entanto, por trás dessa aparente eficiência, esconde-se um esgotamento crescente que poucos reconhecem e menos ainda se atrevem a verbalizar.

A ilusão da multitarefa

O hábito de realizar várias tarefas simultaneamente pode parecer um sinal de competência, mas, na realidade, é o contrário. Estudos em neurociência demonstram que o cérebro não consegue realizar multitarefas de verdade; ele apenas alterna rapidamente entre elas, resultando em uma perda de até 40% na eficiência. É como tentar escutar várias músicas ao mesmo tempo: o som se transforma em ruído, e nada é aproveitado por completo.

Essa busca incessante por produtividade tem origem em uma cultura que nos ensinou, desde cedo, que nosso valor reside no que entregamos, e não no que vivemos. É como se fôssemos máquinas em constante manutenção, sempre precisando provar que ainda estamos funcionando. O descanso, o tédio e até mesmo o silêncio passam a ser vistos como desperdício de tempo.

O preço da pressa constante

Mesmo quando o corpo repousa, a mente permanece em movimento, saltando de um pensamento a outro, incapaz de se desligar. A tecnologia, que deveria facilitar a vida, acaba intensificando essa dinâmica, e nos encontramos constantemente disponíveis, conectados e distraídos.

O resultado é uma sensação de cansaço permanente. Dormir não é suficiente, relaxar parece impossível, e a ideia de tempo livre perde completamente o sentido. Acordamos exaustos, passamos o dia exaustos e adormecemos exaustos, já antecipando as tarefas do dia seguinte.

A perda da presença

Com o tempo, essa rotina cobra um preço elevado, frequentemente em áreas inesperadas. A pressa rouba a presença. Estamos com nossos filhos, mas pensando na reunião de amanhã. Estamos no jantar, mas verificando e-mails. Estamos na cama, mas o cérebro já está planejando a agenda da semana seguinte. A necessidade de estar sempre ocupado nos impede de perceber o essencial: que tipo de vida é essa em que não estamos realmente presentes em lugar nenhum?

A importância do “play”

Aqui surge algo que transforma completamente a situação, mas que poucos mencionam: o “play”. Não se trata de uma simples “atividade de integração” da empresa ou de um videogame no escritório que ninguém usa por receio de parecer improdutivo. O “play” é um estado biopsicossocial que envolve corpo, mente e relações, nos retirando do modo de sobrevivência e nos inserindo em um modo de viver verdadeiramente.

Quando foi a última vez que você se permitiu fazer algo completamente “inútil”? Algo que não gerasse um post, não melhorasse seu currículo, não queimasse calorias mensuráveis ou não aumentasse sua produtividade? Algo gloriosa e magnificamente inútil? É exatamente aí que reside o antídoto para a exaustão coletiva.

Entretenimento passivo vs. “play” genuíno

A ironia é que vivemos cercados de “entretenimento”: Netflix infinito, TikTok sem fim, jogos, séries, memes. Mas isso não é “play” genuíno, e sim distração algorítmica, um consumo passivo que nos mantém ocupados sem renovar nossas energias.

Desacelere e reconecte-se

Desacelerar, atualmente, é quase um ato de coragem, até mesmo de rebeldia. Concentrar-se em uma única coisa, desligar o celular por algumas horas, permitir-se o tédio. Simplesmente não fazer nada pode parecer fácil, mas exige resistência contra uma cultura que glorifica o excesso e mede nosso valor pelo quanto aguentamos.

A verdadeira eficiência não está em fazer mais, mas em escolher o que realmente merece atenção. É fundamental reconhecer que nosso cérebro não foi projetado para essa corrida insana de estímulos constantes. Ele foi feito para alternar entre foco intenso e recuperação real, entre trabalho e “play”, entre fazer e ser.

Talvez a solução não esteja em produzir sem parar, mas em reencontrar o ritmo natural das coisas, aquele em que o tempo não é um inimigo, e sim um espaço para existir com mais clareza, leveza e presença. Lembre-se sempre: quanto mais você tentar dar conta de tudo, mais se esquecerá de dar conta de si mesmo.

— Lucas Freire, psicólogo e autor de “Exaustos: Imaginando saídas para o cansaço diário”

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