Representantes do setor industrial brasileiro manifestam preocupação com o processo legislativo e o texto atual do PL 2338/23, que busca regulamentar a Inteligência Artificial no Brasil. Um levantamento realizado pelo Reglab, especializado em tecnologia e regulação, ouviu executivos de áreas jurídicas e regulatórias de setores como metalurgia, farmacêutica, bens de consumo e automotiva.
Os executivos destacaram o pouco espaço dado à indústria na construção do projeto e levantaram pontos que representam riscos jurídicos e econômicos. As impressões foram colhidas em um grupo focal que buscou captar a perspectiva de um segmento que representa cerca de 25% do PIB e que tem adotado cada vez mais a IA em seus processos produtivos.
Participação da indústria no debate
Um dos principais pontos levantados pelos executivos foi o processo legislativo conduzido sem ouvir adequadamente a sociedade civil ou o setor industrial. A análise do Reglab revelou que apenas 4,7% dos participantes das audiências públicas sobre o tema no Senado representaram a indústria – bem abaixo de setores como academia (28,2%) e governo (18,8%). Na Câmara, a representatividade da indústria nas audiências foi ainda menor: 1,1% dos participantes.
Responsabilidade civil é foco de incerteza
Outra preocupação, apontada como principal fonte de incerteza do texto, foi a questão da responsabilidade civil. O estudo identificou ampla apreensão com o regime de responsabilidade solidária previsto no PL, que é mais amplo do que o previsto em outros países, como no AI Act da União Europeia.
Na indústria, a noção de cadeia é central: um produto passa por vários produtores e distribuidores diferentes para ficar pronto. Por conta disso, a responsabilização solidária, em que um agente pode ser responsável por etapas da cadeia nas quais possui pouco ou nenhum controle, é um tema mais sensível para indústria do que para setores de serviço, como software.
— Naomi Nomura, pesquisadora do Reglab e uma das autoras do estudo
Modelo europeu sem adaptação
Além disso, os profissionais questionaram a transposição do modelo europeu de classificação de riscos, sem as devidas adequações à realidade brasileira. Isso porque, enquanto na Europa a lógica regulatória é mais rígida e orientada por normas abstratas, o Brasil é marcado pela criatividade diante da escassez de recursos e capacidade de adaptação a contextos menos previsíveis. Assim, uma regulação rígida atuaria como um limitador da inovação e como uma possível fonte de insegurança jurídica.
Na visão dos participantes do grupo focal, a proposta é excessivamente complexa e pouco técnica, comprometendo a clareza regulatória e ampliando o risco de interpretações divergentes. A leitura é que a regulação da IA já nasce obsoleta, sem instrumentos adaptáveis à velocidade da inovação tecnológica.
A Inteligência Artificial é um tema transversal: não é uma questão só das empresas de tecnologia. Agro, indústria, serviços, toda a economia é impactada diretamente. Contudo, a complexidade da IA e seu forte componente tecnológico podem ter ofuscado o debate no Legislativo e reduzido a escuta desses outros setores.
— Pedro Henrique Ramos, diretor-executivo do Reglab.
Entre as soluções possíveis, o levantamento aponta maior participação da indústria nas comissões, a construção de um projeto guiado por princípios estruturantes que permitam acompanhar as transformações do ecossistema tecnológico e industrial, além de definições mais claras dos aspectos técnicos e das atuações dos diversos agentes.
O relatório completo está disponível neste link.






