A “pejotização” está no centro de discussões trabalhistas importantes, e o STF reforçou esse protagonismo ao suspender nacionalmente processos sobre contratos PJ com indícios de vínculo empregatício. Em 2024, foram ajuizados 285 mil pedidos de reconhecimento de vínculo, alta de 57% em relação ao ano anterior, mostrando que o tema gera impactos reais no mercado de trabalho.
O que é pejotização?
Mariana Piva Zadra David, especialista em direito trabalhista e sócia do Marcos Martins Advogados, alerta que o debate envolve dignidade do trabalhador, equilíbrio contratual e segurança jurídica. Segundo ela, o desafio é diferenciar modelos legítimos que atendem profissionais autônomos de práticas que mascaram relações de emprego.
Não se trata de mera discussão terminológica, mas de uma questão que envolve segurança jurídica, equilíbrio contratual e a própria dignidade da pessoa que trabalha.
— Mariana Piva Zadra David, especialista em direito trabalhista e sócia do Marcos Martins Advogados
Explosão de Litígios
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender processos envolvendo a validade de contratos de PJ com indícios de vínculo empregatício representa um marco processual. Essa medida ocorre em meio a um cenário de aumento da litigiosidade. A pejotização já ocupa o 16º lugar entre os temas mais judicializados na Justiça do Trabalho. Dados de 2024 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram 285 mil processos requerendo o reconhecimento de vínculo de emprego, um aumento de 57% em relação ao ano anterior.
Além disso, um estudo da FGV-EESP revela que 53% dos microempreendedores individuais (MEIs) atuam, na prática, como trabalhadores subordinados, ou seja, não exercem atividade empresarial por escolha, mas por imposição contratual que lhes retira garantias previstas na legislação celetista.
Modelos legítimos e uso indiscriminado
A pejotização pode se apresentar como um modelo legítimo e eficiente em situações específicas, como nos casos de executivos de alta renda ou profissionais liberais qualificados, com autonomia negocial e interesse em manter tal regime, inclusive pelas vantagens econômicas que oferece. No entanto, a utilização indiscriminada desse formato, sem critérios objetivos e adequados à natureza da função, tende a gerar insegurança jurídica e a fragilizar relações contratuais, impactando tanto trabalhadores quanto empresas.
A necessidade de segurança jurídica
Dessa forma, a garantia da segurança jurídica demanda a manutenção de um critério objetivo bem estabelecido para a adoção da ferramenta, restringindo-a aos chamados “hipersuficientes”. Uma alternativa seria a criação de uma figura jurídica intermediária, à semelhança do “worker” no direito britânico, que garante direitos básicos e recolhimentos previdenciários, preservando algum grau de flexibilidade. Sem o estabelecimento de parâmetros claros, o risco é institucionalizar um mecanismo de supressão de direitos, com repercussões inclusive retroativas.
Sob a ótica empresarial, a insegurança jurídica decorrente desse cenário é evidente. Em operações de fusões e aquisições, investidores estrangeiros exigem a migração de contratos para o regime celetista, diante do temor de passivos trabalhistas. É recorrente o argumento de que a pejotização fomenta o empreendedorismo, uma premissa que, segundo a advogada, não se sustenta. O verdadeiro obstáculo à atividade empresarial no Brasil reside na complexidade tributária e na burocracia excessiva. Empresas inovadoras e escaláveis, ao se consolidarem, tendem a regularizar vínculos, não a perpetuar modelos frágeis.
O papel do STF
Caso o STF opte por modular a decisão, fixando critérios precisos e proporcionais, haverá um avanço importante na segurança jurídica, trazendo previsibilidade tanto para empresas quanto para profissionais. Por outro lado, a validação ampla e irrestrita da prática de pejotização pode gerar distorções, estimulando o uso indiscriminado dessa forma contratual sem a devida correspondência em obrigações e responsabilidades, o que tende a aumentar litígios e incertezas.
Não se trata de restringir a liberdade contratual, mas de estabelecer parâmetros claros para que seja exercida de forma equilibrada. O papel do STF será justamente o de definir balizas que conciliem flexibilidade e proteção, evitando que a pejotização seja utilizada de forma abusiva e preservando, ao mesmo tempo, o ambiente de negócios e a competitividade empresarial.
— Mariana Piva Zadra David, sócia da área trabalhista no Marcos Martins Advogados






