A educação musical de qualidade, oferecida em projetos gratuitos, tem revelado talentos que se destacam nas cenas nacional e internacional. As trajetórias da violonista Gabriele Leite e das cantoras Vanessa Moreno e Lorena Pires ilustram o poder transformador dessa formação.
Música como ferramenta de transformação social
A música é uma das expressões culturais mais potentes para abrir horizontes e transformar vidas. No Brasil, milhares de crianças, jovens e adultos encontram essa possibilidade em projetos de educação musical gratuitos. Esses espaços oferecem acesso a instrumentos musicais, professores qualificados, a chance de conviver com artistas renomados e de se apresentar em importantes palcos do Brasil e do mundo. Assim, tornam-se verdadeiros impulsionadores de talentos, formando músicos que hoje ocupam os palcos mais importantes do país.
Histórias como a da cantora e compositora Vanessa Moreno, da violonista Gabriele Leite e da cantora lírica Lorena Pires reforçam que excelência não precisa ser privilégio. Ao contrário: quando democratizada, a educação musical gratuita se revela como um caminho potente para inclusão social, desenvolvimento artístico e cidadania.
A base musical que prepara para o sucesso
Considerada um dos grandes talentos da música instrumental na atualidade, a violonista Gabriele Leite teve seu primeiro contato formal na música pelo Projeto Guri. No programa de educação musical gratuito para jovens, ela teve as suas primeiras aprendizagens sobre postura e iniciação na leitura de partituras. Posteriormente, passou a integrar o Conservatório de Tatuí, também gratuito.
Eu cheguei no Conservatório de Tatuí com 11 anos de idade e comecei a me aprofundar no violão e em matérias como teoria, percepção e coral, me tornando bolsista nos dois últimos anos de curso. A minha rotina era: escola pela manhã e Conservatório à tarde.
— Gabriele Leite, violonista
Além disso, a artista de 28 anos, natural do município paulista de Cerquilho, destaca a importância de um professor em sua trajetória: “Uma pessoa muito importante no Conservatório de Tatuí foi o meu professor Jair Teodoro de Paula, que me fez acreditar que eu teria potencial para ir longe na carreira artística”.
Após a sua formação pelo Conservatório de Tatuí, Gabriele foi aprovada para estudar música na UNESP e chegou a vencer três dos concursos mais importantes do Brasil: Souza Lima, Musicalis e Assovio Vertentes. Depois esse feito, a Sociedade Cultura Artística convidou a artista para um festival na Alemanha e ela teve seu nome incluído na lista da revista Forbes under 30 de 2021, após conquistar o prêmio da revista Concerto na categoria jovem revelação.
Em seguida, Gabriele se mudou para os Estados Unidos, onde realizou mestrado pela Manhattan School of Music, se tornando a primeira mulher preta brasileira formada na instituição norte-americana. Atualmente, ela é doutoranda na Stoony Brook University.
Do Brasil para o mundo
Após o lançamento de seu primeiro disco, Territórios (2023), Gabriele iniciou, no ano passado, uma turnê com apresentações por várias cidades do Brasil. No último dia 26 de agosto, ela teve o seu début no Theatro Municipal de São Paulo, equipamento também gerido pela Sustenidos Organização Social de Cultura, onde apresentou repertório de Heitor Villa-Lobos no concerto ‘Narrativas Sonoras’.
Inclusão que gera visibilidade
Outra artista que ganhou notoriedade internacional é a cantora lírica Lorena Pires. Capixaba de 25 anos, descendente de quilombolas, Lorena acaba de ser aprovada para integrar a Academia de Ópera de Paris, se tornando a primeira brasileira na história selecionada à academia francesa.
Fazer parte deste seleto grupo de artistas residentes é uma responsabilidade que carrego com muita honra e alegria. Adentrar esse espaço com tudo que sou, enquanto artista, vai ser uma experiência muito linda de concretizar. Por isso, sou muito grata a toda a rede de apoio que tive o longo desses anos.
— Lorena Pires, cantora lírica
Lorena começou a estudar música ainda na época da escola, quando cursava o ensino médio em 2016. Três anos depois, ela iniciou o bacharelado em Música, com habilitação em Canto, da Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES), curso gratuito onde teve aulas com o professor Licio Bruno.
Em 2023, Lorena foi a vencedora da segunda edição do Concurso de Canto Lírico Joaquina Lapinha. Idealizado pela Sustenidos, exclusivamente a solistas pretos (as), pardos (as) e indígenas, o concurso gratuito é considerado a maior premiação do gênero no Brasil. Além de receber o valor de R$20 mil, Lorena integrou o elenco que se apresentou na temporada de 2024 no Theatro Municipal de São Paulo.
Muita coisa na minha carreira aconteceu graças ao Joaquina Lapinha. Foi um concurso que me deu muita visibilidade, me impulsionou de uma forma que acho que se não tivesse feito, não sei se teria conseguido fazer tanta coisa que eu fiz, que eu tenho feito até agora.
— Lorena Pires, cantora lírica
Ela conta ainda que, através do concurso, conheceu o maestro Alessandro Sangiorgi, que na época era o regente assistente do Theatro Municipal de São Paulo, e a maestra Priscila Bomfim, que a ajudou a conseguir uma audição no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Depois disso, se presentou no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Já os primeiros grandes trabalho internacionais aconteceram no Uruguai e depois no Chile.
Retribuição ao aprendizado e acolhimento
Outro exemplo vivo dessa transformação, através do ensino de música gratuito, é a cantora e compositora Vanessa Moreno, considerada uma das vozes mais marcantes da música brasileira contemporânea. Ex-aluna do Projeto Guri, também na época gerido pela Sustenidos, ela já se apresentou ao lado de nomes como Edu Lobo, Mônica Salmaso, Maria Gadú e Criolo.
Com quase duas décadas de carreira, Vanessa também decidiu retribuir o que recebeu: recentemente, conduziu oficinas para estudantes do Musicou, programa de educação musical presente em 5 estados do Brasil, e foi a convidada especial para cantar em um espetáculo de aniversário do Conservatório de Tatuí, o maior da América Latina. Emocionada, a artista lembra que todo esse caminho só foi possível graças ao acesso gratuito e de excelência que teve no início da sua formação.
Se não fossem esses projetos, eu não estaria aqui hoje, podendo cantar com a Big Band do Conservatório de Tatuí ou compartilhar minhas vivências com os jovens do projeto Musicou. Quando sou convidada a participar desses coletivos, eu me vejo nos alunos e sei o quanto cada pedacinho disso é importante.
— Vanessa Moreno, cantora e compositora
Mais do que a parte técnica, aprendida nas instituições de ensino gratuito por onde passou, Vanessa ressalta o poder de horizontalizar a música: transformar palco e sala de aula em espaços de troca e crescimento mútuo.
Eu estava ali também, no lugar dos alunos. Hoje, quero mostrar que todos têm seu espaço, seja no palco ou na sala de aula. Isso é essencial para a construção de uma sociedade mais plural e consciente, que se reconhece e se abre para novas possibilidades.
— Vanessa Moreno, cantora e compositora






