Um clique errado, uma atualização malsucedida ou uma falha em nuvem podem paralisar o mundo corporativo. Em outubro, um apagão global causado por instabilidade na AWS afetou milhões de usuários, expondo a dependência tecnológica das empresas e sua fragilidade. A continuidade de negócios, antes restrita a planos de contingência, tornou-se assunto de sobrevivência estratégica.
Impacto das falhas
O incidente demonstrou como um erro técnico pode paralisar economias. Bancos ficaram sem acesso a sistemas de pagamento, hospitais suspenderam atendimentos e companhias aéreas enfrentaram atrasos. A interrupção, que durou poucas horas, custou centenas de milhões de dólares, evidenciando que nenhuma organização está imune a falhas. A pergunta que surge é: quanto tempo sua empresa aguentaria parada?
O custo médio de uma hora de inatividade de sistemas críticos ultrapassa US$ 1,4 milhão em grandes empresas, segundo estudos. Falhas em serviços de nuvem, ataques de ransomware e interrupções de cadeia digital colocam operações inteiras em risco, impactando reputação, confiança do cliente e credibilidade institucional. No entanto, muitas organizações subestimam o problema, confiando em planos antigos e em uma ilusão de resiliência.
Exemplos recentes e perdas financeiras
O apagão da AWS não foi um caso isolado. Meses antes, uma atualização defeituosa em um software de segurança derrubou milhões de computadores, afetando companhias aéreas, bancos e redes hospitalares.
Cada minuto de inatividade pode significar milhares de transações não processadas, contratos atrasados, clientes insatisfeitos e danos reputacionais duradouros. Estimativas da New Relic apontam que o custo médio global de downtime ultrapassou US$ 25 mil por minuto em 2025, com perdas de US$ 400 bilhões anuais por falhas de TI. No Brasil, metade das empresas admite prejuízos entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões por ano devido a interrupções tecnológicas.
Além disso, uma falha em um serviço crítico de nuvem pode afetar simultaneamente milhares de negócios dependentes da mesma infraestrutura, tornando o risco tecnológico sistêmico. A economia global roda sobre sistemas interconectados, e o elo fraco da cadeia digital pode estar em qualquer lugar.
Descompasso na gestão
Apesar da frequência e do impacto dessas falhas, muitas organizações acreditam que estão mais preparadas do que realmente estão. Pesquisas revelam um descompasso entre a confiança da alta direção e a maturidade operacional das equipes. Um levantamento da PwC mostrou que 46% dos executivos C-level se declaram “muito confiantes” na capacidade da empresa de reagir a incidentes tecnológicos graves, mas apenas 18% dos gestores técnicos compartilham dessa percepção.
No Brasil, esse distanciamento é ainda mais evidente. Segundo dados da Grant Thornton, 79% das companhias reconhecem estar mais expostas a ataques e falhas digitais, mas apenas 44% têm a alta administração diretamente envolvida na gestão de continuidade e cibersegurança. A maioria dos conselhos e diretorias ainda trata o tema como responsabilidade do setor de TI, não como parte essencial da estratégia corporativa.
A consequência é um ciclo de vulnerabilidade. Muitas empresas possuem planos de continuidade desatualizados, raramente testados e, em alguns casos, sem orçamento definido para recuperação de desastres. Pesquisas indicam que apenas uma em cada dez organizações mantém um plano de continuidade operacional abrangente e ativo, e 43% admitem desalinhamento entre as estratégias de risco e os objetivos do negócio. Quando a falha acontece, a resposta é lenta, fragmentada e frequentemente improvisada.
A equação da resiliência
A continuidade de negócios depende da integração entre governança, tecnologia, processos e cultura. No nível de governança, o primeiro passo é deslocar o tema do departamento de TI para o centro da estratégia corporativa. Empresas mais maduras criam comitês de resiliência compostos por executivos de tecnologia, finanças, riscos e operações, com reuniões periódicas para revisar indicadores de disponibilidade e testar respostas a incidentes.
Tecnologicamente, prevenir é mais barato do que reparar. Infraestruturas distribuídas, observabilidade avançada e automação de resposta se tornaram pilares da continuidade digital. Relatórios mostram que empresas que implementaram monitoramento full-stack reduziram pela metade o custo de incidentes críticos.
A redundância de dados e a replicação entre diferentes provedores de nuvem passaram a ser tratadas como investimento em sobrevivência, assim como práticas de backup imutável, segmentação de redes e restrição de acessos privilegiados.
Nos processos, a continuidade ganha forma. Planos de recuperação de desastres e de resposta a incidentes precisam ser vivos, testados, revisados e adaptados constantemente. Simulações regulares de falhas avaliam o tempo de reação e a clareza das responsabilidades, revelando falhas humanas, lacunas de comunicação e dependências ocultas.
Por fim, a cultura organizacional sustenta todo o sistema. Resiliência se constrói quando todos os colaboradores entendem que continuidade de negócios é responsabilidade coletiva. Programas de conscientização sobre segurança, boas práticas de TI e treinamentos periódicos criam o senso de pertencimento e urgência necessários para agir rápido diante de falhas.
A dependência tecnológica atingiu um ponto em que a continuidade de negócios deixou de ser uma escolha, tornando-se uma questão de sobrevivência. A capacidade de reagir rapidamente é o diferencial competitivo. Empresas que tratam resiliência como parte da governança, investem em infraestrutura inteligente e cultivam uma cultura de preparo reduzem o impacto das crises.
Em um mercado em que minutos equivalem a milhões, estar preparado é o novo seguro de reputação e receita. A continuidade de negócios não é mais um plano de contingência esquecido em gavetas, mas sim uma disciplina estratégica que protege o valor, a confiança e a operação das empresas que sustentam a economia digital.
*Sylvio Sobreira Vieira é CEO & Head Consulting da SVX Consultoria






