Nesta época do ano, receitas familiares ganham destaque nos lares. A chef Mônica dos Reis, professora do curso de Gastronomia da UNIASSELVI, enfatiza a importância dessas receitas para preservar a identidade e a história das gerações, além de fortalecer laços e tradições.
A transmissão oral e o ‘olhômetro’ na cozinha
A transmissão oral de receitas de família, com o famoso e insubstituível “olhômetro”, é mais que uma técnica culinária: é um ato de preservação do patrimônio cultural imaterial. Mônica Lizete Ruschel dos Reis, chef e professora da UNIASSELVI, ressalta que o conhecimento empírico e a adaptação criativa são cruciais para a sobrevivência das tradições culinárias.
Para a chef Reis, o processo de transmissão de mãe para filha, ou de avó para neta, é onde reside o verdadeiro tesouro da gastronomia afetiva. “O ‘olhômetro’ não é imprecisão; é sabedoria acumulada. É o conhecimento que vem da repetição, da observação atenta, da conexão profunda com os ingredientes”, explica.
Segundo a docente, aquela pitada “até dar o ponto” ou o mexer “até sentir que está pronto” carregam séculos de conhecimento prático que transcende qualquer registro formal.
O prato como mapa de identidade
A professora destaca que cada adaptação de receita, seja pela migração ou pela dificuldade histórica, escreve um novo capítulo na história da família. A escolha de ingredientes locais e sazonais em um prato tradicional reflete a identidade e a resiliência de uma comunidade.
“Os ingredientes locais em um prato tradicional revelam a geografia afetiva de uma família. O uso de determinada erva, de um tipo específico de peixe, não é apenas uma questão de sabor, mas uma forma de manter viva a conexão com um território, com uma paisagem”, afirma a chef. Pratos de “cozinha de aproveitamento” ou que utilizam partes menos nobres dos alimentos são manifestações de períodos de escassez e da criatividade das gerações anteriores.
Diálogo entre tecnologia e tradição
Apesar de reconhecer que a rotina acelerada e a praticidade dos alimentos modernos ameaçam os rituais demorados de preparo, que eram momentos cruciais de convivência e troca de valores, a especialista adota uma postura otimista em relação ao futuro.
“As novas tecnologias e a praticidade oferecem conveniência, mas muitas vezes à custa destes momentos de conexão”, pondera. No entanto, a professora enxerga que as novas gerações estão ressignificando as tradições. “As próprias tecnologias que parecem ameaçar as tradições podem se tornar aliadas na sua preservação. Aplicativos de receitas, vídeos online, tudo isso pode ajudar a manter vivas receitas e técnicas, adaptando-as a novos contextos sem perder sua essência”, completa.
O desafio de recriar a alma do prato
Para o cozinheiro profissional, recriar um prato de “conforto” ou de memória é o maior desafio técnico e emocional. O segredo está em tentar capturar a essência da experiência original.
“Quando alguém busca o gosto do bolo da avó, está buscando recuperar um momento, um contexto, uma sensação de pertencimento. Como chef, preciso compreender que estou trabalhando não apenas com ingredientes físicos, mas com memórias e emoções”, explica. A professora ressalta que o “jeito” particular e o “tempero” da tradição familiar, que desafiam a padronização, exigem do chef profissional “humildade, respeito, pesquisa profunda e, acima de tudo, uma escuta atenta às histórias”.
Mônica Ruschel conclui que a técnica da alta gastronomia e o conhecimento tradicional são complementares. “A técnica me dá ferramentas para compreender e reproduzir processos; o conhecimento tradicional me conecta com a alma, com o propósito, com o significado profundo do ato de cozinhar”.






