Essa pergunta sempre me perseguiu — e talvez persiga você também. O que há nesse arrepio na nuca, nesse frio no estômago, que nos atrai como uma chama a uma mariposa? Por que insistimos em buscar histórias de terror, filmes de suspense e até aquelas partidas de RPG em que torcemos secretamente para que o monstro apareça na penumbra da masmorra?
A natureza íntima e artesanal do medo
O medo é íntimo, quase artesanal. Cada pessoa o molda de forma única: uns tremem diante de uma barata, outros congelam frente a uma queda iminente; alguns sequer entram em um elevador fechado.
Mas, afinal, o que existe por trás desse prazer em brincar com o pavor? Será apenas biologia? Adrenalina, dopamina, o corpo reagindo e depois recompensando com a sensação de alívio? Ou será que o medo é mais do que uma descarga química, talvez um instinto que herdamos dos nossos ancestrais para continuar existindo?
Pense comigo: por que aceitamos pagar para ter medo? Compramos ingressos para ver monstros digitais no cinema, pagamos por livros que descrevem assassinos sombrios e organizamos festas inteiras dedicadas a assustar uns aos outros.
Até mesmo nas mesas de RPG, onde controlamos o destino dos personagens, o que mais ansiamos não é o combate épico ou o tesouro no final — mas sim a tensão da porta rangendo, da armadilha prestes a disparar, da respiração pesada vinda de um canto escuro. Será que buscamos o medo porque, paradoxalmente, ele nos faz sentir vivos?
O medo como professor e a pandemia
O medo, em sua essência, é um professor severo. Ele nos ensinou a não colocar a mão no fogo, a olhar duas vezes antes de atravessar a rua, a não desafiar a tempestade. Foi ele quem guiou nossos antepassados na escuridão das cavernas, lembrando-os de que nem todo som é inocente, nem toda sombra é vazia. E ainda hoje, em pleno século XXI, ele continua nos ensinando.
A pandemia recente foi um retrato disso: massas inteiras movidas pelo pânico, pelo desconhecido, pela sensação de que algo invisível poderia ceifar vidas. O mesmo medo que, milhares de anos atrás, mantinha tribos afastadas de um vulcão em erupção. O que mudou, afinal?
Eis a ironia: quanto mais aprendemos a dominar o mundo, mais criamos formas de reviver o medo que pensamos ter superado. O fogo já não nos ameaça — então o transformamos em efeitos especiais em filmes apocalípticos. O lobo já não ronda nossas aldeias — mas nós o ressuscitamos em criaturas sobrenaturais, vampiros e lobisomens. A peste já não devasta cidades como antes — e, ainda assim, quando uma nova doença surge, ela nos coloca de joelhos. Parece que o medo nunca parte de fato, apenas muda de máscara.
A busca pela segurança e o vício no medo
Mas e se o medo não for apenas proteção? E se ele for também um vício? Um ritual moderno que repetimos porque nos dá a estranha sensação de tocar o desconhecido sem nos perder nele? É curioso: buscamos segurança a todo custo, mas pagamos caro para perder essa mesma segurança por algumas horas dentro de um cinema, atrás de um livro ou ao redor de uma mesa de RPG.
Talvez seja esse o verdadeiro fascínio: brincar de espiar o abismo, sabendo que podemos voltar ilesos. Afinal, quem nunca sentiu o coração acelerar diante de um corredor escuro, mesmo sabendo que não havia nada lá? Quem nunca fechou os olhos num filme de terror, mas abriu logo depois, incapaz de resistir?
A verdade é que o medo nos acompanha desde sempre, como uma sombra que jamais se afasta. Ele é instinto, é defesa, é lembrança de que não somos invencíveis. Mas também é espetáculo, diversão e até prazer. Por isso seguimos alimentando-o, transformando-o em histórias, jogos e tradições.
No fundo, fica a pergunta: será que controlamos o medo, ou é ele quem nos controla? Talvez o que nos fascine não seja o medo em si, mas a possibilidade de acreditar — mesmo que por alguns instantes — que conseguimos domá-lo.
Mas e se for apenas uma ilusão?
Sobre o Autor
Roberto T. G. Rodrigues é escritor, mestre de RPG e criador do universo de A Era de Ouro da Magia. Nascido no Rio de Janeiro e criado no Rio Grande do Sul, mescla vivências lúdicas e literárias em tramas que falam de humanidade, escolhas e conflitos morais. É autor de Golandar, o Paladino, Emma, a Curandeira e Fenda Esquecida.