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Radioterapia: Tratamento de Joe Biden Alerta para Acesso no SUS

Joe Biden recebendo tratamento radioterápico.

Ao anunciar que será submetido à radioterapia para tratar um câncer de próstata agressivo com metástases ósseas, o ex-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chama atenção para uma das terapias mais importantes da oncologia moderna. No Brasil, embora técnicas avançadas como a IMRT já estejam no rol da ANS, o acesso pelo SUS ainda é limitado, o que compromete o tratamento de milhares de pacientes. Especialistas da Sociedade Brasileira de Radioterapia reforçam a urgência em ampliar essa cobertura.

Diagnóstico e Tratamento de Joe Biden

A notícia de que Joe Biden, 82 anos, iniciará radioterapia para tratar um câncer de próstata agressivo com metástases ósseas repercutiu em todo o mundo. Paralelamente, o ex-presidente dos Estados Unidos receberá tratamento hormonal. O anúncio foi feito neste sábado (11) por um porta-voz de Biden à agência AFP. Segundo a equipe médica, o tratamento tem como objetivo controlar o avanço da doença e aliviar sintomas após o diagnóstico de um adenocarcinoma prostático com escore de Gleason 9 (grupo de Grau 5), o mais alto grau de agressividade.

O gabinete de Biden já havia confirmado o diagnóstico em maio de 2025, após exames detectarem um nódulo prostático e sintomas urinários progressivos. Agora, o início da radioterapia marca uma nova etapa de cuidado e reacende o debate sobre o papel dessa modalidade terapêutica. A radioterapia é uma das três principais modalidades de tratamento contra o câncer ao lado da cirurgia e das terapias sistêmicas com medicamentos.

O Papel da Radioterapia no Câncer de Próstata

Em câncer de próstata, a radioterapia pode ser indicada em diferentes fases da doença: desde o tratamento inicial e curativo até o controle de sintomas em estágios mais avançados. “Mesmo em casos avançados, a radioterapia pode desempenhar um papel fundamental no controle da doença”, explica o médico Erick Rauber, radio-oncologista e diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT).

Ela pode ser indicada tanto para o tratamento localizado na próstata, quanto para as áreas com metástases ósseas, com o objetivo de aliviar sintomas, retardar a progressão do câncer e melhorar a qualidade de vida do paciente.

— Erick Rauber, radio-oncologista e diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)

Os ossos são os locais mais comuns de disseminação do câncer de próstata e a radioterapia é frequentemente usada para tratar essas lesões metastáticas, controlando a dor e prevenindo fraturas ou complicações neurológicas.

Além da função paliativa, a radioterapia também é utilizada com intenção curativa, seja como tratamento principal em tumores localizados, seja como complemento após cirurgia. “A radioterapia tem papel fundamental no tratamento do câncer de próstata. Estudos recentes mostram que técnicas como a radioterapia hipofracionada e a ultrahipofracionada, com menos sessões e doses mais concentradas, mantêm alta eficácia e reduzem efeitos colaterais”, explica Rauber.

Tipos e Avanços da Radioterapia

As modalidades mais utilizadas no câncer de próstata são a radioterapia de feixe externo e a braquiterapia, em que pequenas sementes radioativas são implantadas diretamente na próstata. Entre as técnicas de feixe externo, a radioterapia de intensidade modulada (IMRT) se consolidou como um avanço tecnológico importante.

A IMRT permite ajustar com precisão a intensidade dos feixes de radiação, poupando órgãos vizinhos como bexiga e reto e oferecendo melhores resultados clínicos com menos efeitos adversos.

— Elton Trigo Teixeira Leite, médico radio-oncologista e diretor científico da SBRT

Outros métodos complementares vêm aprimorando o tratamento, como a radioterapia guiada por imagem (IGRT), que realiza imagens da próstata antes de cada aplicação para garantir o direcionamento exato, e a arcoterapia volumétrica modulada (VMAT), que permite aplicar a dose em menor tempo, com conforto e segurança.

A braquiterapia, por sua vez, é indicada em casos iniciais e de baixo risco, podendo ser usada isoladamente ou combinada à radioterapia externa. Nesse método, as sementes radioativas emitem radiação diretamente sobre o tumor, com mínimo dano aos tecidos ao redor.

Câncer de Próstata no Brasil: Desafios e Números

O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que o Brasil registrará cerca de 71,7 mil novos casos de câncer de próstata até o final de 2025. É o segundo tipo mais comum entre homens, atrás apenas do câncer de pele não melanoma e o quarto com maior incidência no mundo, com mais de 1,4 milhão de novos diagnósticos e 375 mil mortes anuais, segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC).

No Brasil, cerca de 75% dos pacientes dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento, o que representa mais de 53 mil homens por ano. Estima-se que a radioterapia seja indicada em cerca de 60% desses casos, ou seja, mais de 32 mil pacientes com câncer de próstata deveriam ter acesso à radioterapia ao ano. Entretanto, dados do DataSUS, levantados pela SBRT há dois anos, mostram que apenas 22.541 pacientes realizaram radioterapia para câncer de próstata em 2023 pelo SUS. O déficit, de cerca de 10 mil homens sem tratamento anual, revela um dos maiores gargalos do sistema público de saúde.

O SUS remunera os tratamentos oncológicos com base apenas no tipo de tumor, sem considerar a complexidade ou a tecnologia empregada. Isso desestimula o uso de técnicas modernas como a radioterapia IMRT, que são mais precisas e geram menos efeitos colaterais.

— Erick Rauber, radio-oncologista e diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)

A IMRT e a Busca por Equidade no SUS

A IMRT está incorporada ao Rol de Procedimentos da ANS para diferentes tipos de câncer, incluindo o de próstata, sendo assim conquista importante para os pacientes da saúde suplementar. Entretanto, o mesmo avanço ainda não chegou integralmente ao SUS. A principal barreira é o modelo de pagamento por pacotes, implantado em 2019, que não diferencia o reembolso conforme a tecnologia empregada.

Se os pacientes do SUS tivessem acesso à alta tecnologia, como a IMRT, estaríamos investindo em tratamentos potencialmente mais eficazes, com menos complicações e maior custo-efetividade para o sistema.

— Elton Teixeira Leite, radio-oncologista da SBRT

Um levantamento do Projeto RT2030, da SBRT, aponta que apenas 51% dos serviços públicos de radioterapia no país dispõem de equipamentos capazes de realizar IMRT. O cenário é agravado pela defasagem de aceleradores lineares e pela carência de profissionais qualificados. Essas limitações estruturais resultam em longas filas e atrasos no início dos tratamentos, uma espera que, em oncologia, pode reduzir significativamente as chances de controle da doença.

Quando a Radioterapia é Recomendada?

A American Cancer Society (ACS) orienta que a radioterapia pode ser o tratamento inicial do câncer de próstata localizado, com taxas de cura comparáveis às da cirurgia radical. Em tumores localmente avançados — quando o câncer extravasa a cápsula prostática ou invade as vesículas seminais —, a radioterapia pode ser combinada a terapias hormonais. Já em casos metastáticos, como o de Biden, o tratamento pode ter objetivo paliativo ou de controle local, reduzindo a dor e preservando a função óssea.

Após a cirurgia, a radioterapia pode ser aplicada de forma adjuvante (quando há risco de células residuais) ou de resgate (em caso de elevação do PSA, o marcador do câncer de próstata). “Hoje damos preferência à radioterapia de resgate precoce, iniciada assim que o PSA começa a subir de forma consistente após a cirurgia, pois ela mantém boa eficácia e reduz o risco de recidiva”, detalha Teixeira Leite.

Hipofracionamento: Menos Sessões, Mais Qualidade de Vida

Os protocolos modernos de radioterapia têm evoluído para reduzir o número de sessões, sem perda de eficácia. “Antes, os pacientes precisavam fazer de 32 a 40 aplicações; hoje, com o hipofracionamento moderado, é possível realizar o tratamento em cerca de 20 sessões. Já o ultrahipofracionamento permite completar o ciclo em apenas cinco aplicações”, explica Teixeira Leite.

Essas abordagens, além de manterem o controle oncológico, melhoram a qualidade de vida, reduzem o custo global do tratamento e ampliam a capacidade de atendimento dos serviços, uma solução especialmente relevante para o SUS.

De acordo com o presidente da SBRT, Gustavo Nader Marta, o caso de Joe Biden evidencia o avanço das opções terapêuticas e o papel central da radioterapia em diferentes estágios do câncer de próstata. Mesmo em situações de doença avançada, a técnica pode prolongar a sobrevida e oferecer conforto ao paciente. “Os resultados que alcançamos com a radioterapia moderna são expressivos. Ela é segura, eficaz e deve estar disponível para todos, independentemente de onde o paciente seja tratado”, reforça.

Mais do que um tratamento individual, o anúncio do ex-presidente norte-americano lança luz sobre a necessidade de democratizar o acesso à radioterapia de alta precisão. No Brasil, onde milhares de homens enfrentam filas ou não chegam a receber o tratamento, o desafio é transformar avanços tecnológicos em políticas públicas efetivas. “Ampliar o acesso à radioterapia é uma questão de saúde pública. É garantir não apenas mais tempo de vida, mas vida com qualidade”, conclui Gustavo Marta.

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