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IA e operadoras: uma encruzilhada para a satisfação do cliente

Robô atendendo cliente de operadora de telecomunicações.

Dez anos atrás, tive a oportunidade de liderar a implementação de inovações digitais baseadas em inteligência artificial para uma grande operadora de telecomunicações. Naquela época, o foco principal era transformar a experiência do cliente, buscando interações mais humanizadas e personalizadas.

Hoje, os investimentos em IA só aumentaram e o conhecimento sobre o tema amadureceu. Atualmente, existem estudos de caso de inteligência artificial aplicados em praticamente todos os departamentos de uma operadora. Ferramentas abundam, o ChatGPT está presente na vida dos clientes e até o Office dos colaboradores é aprimorado por IA.

Aplicações da IA no setor de telecomunicações

Desde o antifraude e jurídico até os canais digitais e o atendimento telefônico, praticamente todas as operadoras de serviços de telecomunicações no país já experimentaram e utilizaram a IA de forma significativa. Algumas empresas possuem projetos de letramento digital e adoção massiva pelos colaboradores. Outras contam com gabinetes transversais de coordenação da governança e implementação focada de IA, visando assegurar a captura de valor real pelos múltiplos projetos em curso.

Em eventos recentes, observei diversas aplicações da inteligência artificial em projetos de operadoras da América Latina, incluindo o Brasil. Bots e URAs inteligentes são comuns, assim como casos de uso vinculados à maior resolutividade e eficiência em temas jurídicos, detecção de falhas de rede e prevenção de incidentes. Além disso, há aplicações em marketing, como na compra de mídia, e investimentos em treinamento e capacitação dos colaboradores em IA.

Panorama global e investimentos em IA

Um relatório recente da NVIDIA, realizado com 450 profissionais de telecom em todo o mundo, revela que 97% estão analisando ou adotando soluções de inteligência artificial. Os principais objetivos são reduzir custos e gerar novas fontes de receita, melhorando a experiência do cliente, aumentando a produtividade das equipes e otimizando as operações das redes. O estudo também indica que mais da metade dos respondentes já implementaram seu primeiro estudo de caso baseado em IA generativa, e 65% deles estão aumentando seus investimentos em IA ao longo de 2025.

Um estudo publicado pelo Fórum Econômico Mundial aponta excelentes notícias para as empresas de telecomunicações em relação ao uso de IA. A adoção de soluções baseadas em modelos preditivos e machine learning é quase onipresente na indústria. De acordo com a consultoria McKinsey, os colaboradores do setor são os mais favoráveis à adoção de IA, entre todos os setores econômicos analisados globalmente.

Além disso, um relatório recente da Fortune Business Insights reporta que o valor global do mercado de IA em telecomunicações passará de US$ 3,34 bilhões em 2024 para US$ 58,74 bilhões em 2032, representando um crescimento anual composto de 43,3% durante o período projetado.

A percepção do cliente e o desafio da satisfação

Apesar dos investimentos massivos, a reputação das operadoras de telefonia não melhorou muito ao longo dos anos. Infelizmente, esse segmento da economia apresenta resultados baixos em termos de satisfação dos clientes e NPS. Quando comparados a outros setores em pesquisas especializadas, os resultados de telecomunicações nos rankings intersetoriais de experiência do cliente são inferiores aos de setores altamente criticados pelos clientes, como operadoras de saúde, empresas aéreas e bancos. O mesmo ocorre em sites como o Reclame Aqui.

Conectividade é uma questão de inclusão social tão relevante quanto serviços de água e esgoto ou prestação de energia elétrica, e deveria ser tratada como tal. No entanto, ainda são recorrentes as reclamações de clientes associadas ao básico dessa prestação de serviços, como falta de cobertura, qualidade de sinal e problemas técnicos.

É importante lembrar que a indústria reclama que os principais benefícios da digitalização ficaram para as big techs, enquanto o ônus de prestar serviço tão relevante e dos investimentos ficou para as prestadoras de serviço. A capitalização das principais telcos de 2018 até 2024 na bolsa americana aumentou 7%, enquanto o S&P 500 aumentou cerca de 170% e o valor de mercado das empresas digitais aumentou 230%.

Por que a IA ainda não se traduz em satisfação?

Mas por que os usuários não percebem o retorno de todos esses investimentos e esforços em seu relacionamento com as marcas de telecom? Por que o trabalho massivo realizado pelas operadoras na adoção de IA ainda não se reverteu em ganhos tangíveis e generalizados junto ao mercado?

Acredito que parte do problema reside na adoção “setorizada” e pouco transversal dos estudos de caso nas empresas. A IA possibilita que todos os principais processos da cadeia de valor e prestação de serviços sejam revistos desde sua concepção, e refeitos. No entanto, isso é um desafio brutal de liderança e um risco de continuidade muitas vezes pouco compreendido nas empresas, sem o apoio de um olhar especializado externo que não tenha interesses na prestação de serviços de tecnologia para as próprias operadoras.

Outro elemento que afeta e não deve ser subestimado é a falta de clareza na mensuração dos ganhos objetivos para o negócio e para o cliente. Estudos de caso fragmentados e “projetos-piloto” dificilmente escalam para a real necessidade de um business massivo, profundamente dependente de sistemas e repleto de possíveis pontos de falha na experiência ao longo da jornada do cliente.

Além disso, ainda há desafios de qualidade de dados e processos, modelagens, prioridades internas, governança estruturada e correta gestão de risco vs. retorno.

Minha experiência pessoal como consultor especializado no tema denota que grande parte das barreiras à mudança efetiva passa por fatores “humanos”, e não necessariamente técnicos.

É sintomático pensar que praticamente todos os cases de “referência” em IA mais comentados pelo mercado estão vinculados a empresas de e-commerce e aplicativos de marketplaces, plataformas de mobilidade como a Uber, varejistas de moda como a Cia. Renner ou mesmo empresas como Magalu e as big techs. Conheço esses cases e são realmente interessantes e muito bons, mas ouso dizer que as telcos tinham tudo para não estar “devendo” nada a qualquer deles, dado seu alcance, capacidade de dados, aporte de investimentos e capital humano.

O futuro da IA nas telecomunicações

Não tenho dúvidas de que o assunto “inteligência artificial” provavelmente será o maior destaque da Futurecom 2025, principal evento de mercado do setor. Executivos de todas as empresas falarão com propriedade e orgulho de seus cases de mercado, implantando soluções baseadas em IA. No entanto, a experiência do cliente continuará sofrida e muito aquém do potencial da indústria.

Será que, após perder a liderança em tantas fronteiras tecnológicas e de inovação para outros setores, o setor de telecomunicações conseguirá, dessa vez, se apropriar com justiça de todos os incríveis esforços em curso para a adoção massiva de IA em prol do cliente? Essa é, para mim, a principal encruzilhada das operadoras e demais empresas do segmento na era da inteligência artificial.

Essa é, para mim, a principal encruzilhada das operadoras e demais empresas do segmento na era da inteligência artificial.

— Fernando Moulin, partner da Sponsorb, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente

Fernando Moulin é partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente, e coautor dos best-sellers “Inquietos por natureza”, “Você brilha quando vive sua verdade” e “Foras da curva” (todos da Editora Gente, 2024).

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